tag:blogger.com,1999:blog-48171407842345211032024-03-05T08:41:36.635-08:00Do meu lugar de escritaPara além das minhas sentimentalidades e poesia ruim. Um lugar de compartilhamento de percepções, em prosa clara – em tentativa. Crônicas e comentários sobre esse meu lugar de fala de mulher negra, feminista, artista, cínica e aguda. Quero fazer aqui pontuações sobre observações extraídas do cotidiano. Com ou sem poesia.
Mas nada impede, que em paralelo, a Mônica sentimentalista, que escreve sobre seu umbigo dolorido, se manifeste na lírica.
Convivemos todas.
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.comBlogger83125tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-35658822905631452602015-02-27T18:53:00.001-08:002015-02-27T18:53:23.531-08:00Precisamos falar disso<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXW-KXQdjBhopu9d4_fX_HZaBxilKNZ5M4TrYVpY_1omDustOX_ih6QsZPES1WEf_vZw8Pn2iR7fIKQ4nsAEI0mAa00gvdugU7InGaYpHksElmaISzkgMf7Ey_zELfN9BiFGDXoYjv3ao/s1600/edvard-munch.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXW-KXQdjBhopu9d4_fX_HZaBxilKNZ5M4TrYVpY_1omDustOX_ih6QsZPES1WEf_vZw8Pn2iR7fIKQ4nsAEI0mAa00gvdugU7InGaYpHksElmaISzkgMf7Ey_zELfN9BiFGDXoYjv3ao/s1600/edvard-munch.jpg" height="217" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Edvard Munch, meu mestre mais querido, na obra A Dança da Vida</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando era pequena ouvia minha avó evitando falar em algumas doenças. "Fulano sofre daquela doença que não se fala", "Sicrano morreu daquela doença". E eram uma expressão de desgosto e a minha cara de indagação "mas o que será?". Mais velha quis saber por que não se falava. Um dia ela explicou "não se fala, porque quanto mais se falar, mais se espalha". Hoje me pergunto se esse mais se espalha não significaria mais se tem consciência, entendimento da coisa...e plum...se descobre que tem a doença, o problema, a coisa. </div>
<div style="text-align: justify;">
Não falar sobre um problema, implica em não saber reconhecê-lo. Curá-lo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Algumas coisas estou aprendendo a falar agora. Adulta. Três décadas e meia na bagagem. Há uma década perdi uma pessoa muito querida, que fez parte de minha vida. Ela foi perdendo a clareza. Ficando nervosa. Falando com pessoas que não víamos. Querendo partir para outro lado. Ouvindo orientações. Um dia, saiu de casa às pressas. Eu sabia que não haveria jeito. Não houve. </div>
<div style="text-align: justify;">
Não conversamos sobre isso. Todos espiritualistas. Preferimos seguir. Trabalhar. Não tocar naquele assunto. Porque não se deve falar nisso. Essa palavra ecoa e afeta. Evoca energias que não queremos.</div>
<div style="text-align: justify;">
Dois anos depois, minha mãe foi ficando com manias. Hábitos diferentes. Idéias fixas. Não dormia. Falava sempre frenética. Muito agressiva. Uma noite veio o pesadelo em toda sua intensidade. Dessa vez, alguém interviu. Veio uma internação. Diagnóstico. Falta de clareza. Muitos enfrentamentos. </div>
<div style="text-align: justify;">
Diante do cotidiano com a bipolaridade, doença de que minha mãe sofre, aprendi que há coisas que temos que aprender a conviver. E que encarar um problema psiquiátrico não é mais duro que encarar um câncer - aquela doença que não se falava. Falar de problemas psiquiátricos é um passo importante para conhecê-los, superá-los. </div>
<div style="text-align: justify;">
Eu tinha muita vergonha de compartilhar as questões de minha família. Mas com o tempo fui percebendo que muitos amigos próximos convivem consigo e com seus entes queridos, com problemas tão iguais aos meus. Depressão, melancolia, compulsão, bipolaridade, esquizofrenia, ansiedade. Doenças, marcas do corpo e d'alma, seja lá o nome que dermos a isso.</div>
<div style="text-align: justify;">
Aprendi na prática que o tripé cuidar do corpo físico (seja medicalizado, seja tratado de formas alternativas e menos impactantes), o corpo emocional (terapias formais ou holísticas) e espiritual (na amplitude que as formas de ligação com o seu divino abrir) são fundamentais para nos sustentar por aqui. Nos fazer mais fortes para lidar com as doenças e desafios, que o estar no mundo nos provocam.</div>
<div style="text-align: justify;">
Reconhecer que adoecemos também daquilo que chamamos alma não fará proliferar nossos males. Talvez nos torne mais humano e fortaleça para enfrentar nossas dores. Superá-las. Dar força a amigos e parentes. Para que possam saber agir quando o problema acontece. Para dar amparo. </div>
<div style="text-align: justify;">
É preciso falar dessa dor que se esconde em vergonha. Dessa dor que confundimos com fracasso ou desistência. Precisamos falar disso.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até que não seja mais preciso. </div>
<div style="text-align: justify;">
Até que tudo sare.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até que consigamos nos olhar nos olhos e entender.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até que consigamos olhar no espelho ou sem espelho.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-40344093904480080402015-02-14T07:33:00.004-08:002015-02-14T07:33:53.099-08:00DescarnavalJunto ao confete solidão dói <br /> Serpentinas serpenteiam milágrimas <br /> Da batucada a canção destrói <br /> Fantasias de samba amor e rimas <br /> Sorrisos gargalham alto no vazio Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-61367790467154578182015-02-14T07:19:00.001-08:002015-02-14T07:19:44.848-08:00Norte-Sul<br /> A linha do Equador nos partiu <br /> O mundo, a fome, o corpo <br /> Ao norte, o pensamento <br /> Ao sul, o corpo instinto <br /> <br /> A linha do Equador nos feriu <br /> lágrima sangue anticorpo <br /> Resfria do o sentimento <br /> Atormentado e faminto <br /> <br /> Nas mãos da fé, mente ruiu <br /> Doente ao Norte mudo corpo <br /> Fragmentados sem quadris <br /> <br /> Amordaçados senis <br /> Religiões anticorpo <br /> Anti-humano ardil Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-81373039292195048952015-01-29T17:15:00.001-08:002015-01-29T17:15:27.631-08:00[poemas] Haikais NegrosOxum teu espelho<br />
Mostra o que não vejo<br />
S'ouro escondido<br />
<br />
<br />
***<br />
<br />
Meu cabelo não nega, nego<br />
Mulata ou suas negas, nego<br />
Negra Soul<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNBD_T9pP0ssOVqoAzPWdRxMigFVN2WwAs87Cq_ejiWqKb-Dd44K7Gxw7gLzBf558Wcb2NayK99LpCUfe4TFDhoStE_wT8LxVFISNiijmQzdwTbbLNscO1kiUmQ-5vyxqui0MDtGEJqb8/s1600/black_eu.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNBD_T9pP0ssOVqoAzPWdRxMigFVN2WwAs87Cq_ejiWqKb-Dd44K7Gxw7gLzBf558Wcb2NayK99LpCUfe4TFDhoStE_wT8LxVFISNiijmQzdwTbbLNscO1kiUmQ-5vyxqui0MDtGEJqb8/s1600/black_eu.jpg" height="244" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Créditos: Priscila Fulô</td></tr>
</tbody></table>
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-8491234818057373582015-01-29T16:58:00.002-08:002015-01-29T16:58:33.366-08:00[poemas] Haicais vagabundosHumanizo-me<br />
quando me deixo afetar<br />
pela a-fé-tividade<br />
<br />
<br />
***<br />
<br />
Desdenho o desejo<br />
Desejaria querer o que posso?<br />
Mas não é o desejo<br />
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-13114592486624961312015-01-29T16:42:00.000-08:002015-01-29T16:42:07.454-08:00[poemas] Soneto para Oxum<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOAeiNUMLmCQhgLEM6DkjVf-6LvG4ETBQWctgKue1m7NPLrhSA92KeqWLkWtRi1eMa8CGZor2R_yZ5ZSLFyFNBKwW4FpNjw-77Xy347tQg69qVl33B7jxqAFRiaR9WOOy_toImLvrtfNU/s1600/oxum_rapazes.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOAeiNUMLmCQhgLEM6DkjVf-6LvG4ETBQWctgKue1m7NPLrhSA92KeqWLkWtRi1eMa8CGZor2R_yZ5ZSLFyFNBKwW4FpNjw-77Xy347tQg69qVl33B7jxqAFRiaR9WOOy_toImLvrtfNU/s1600/oxum_rapazes.jpg" height="240" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Oxum e os seus. Riscado: Mônica Santana</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<br />
Esses três moços: Exu, Oxossi, Ogum<br />
O mensageiro, caçador, guerreiro<br />
Perderam-se no espelho dela<br />
escorreram no mel d'ouro d'yabá<br />
<br />
Xangô pousou seu martelo de rei<br />
apagou fogueira, deixou esposa<br />
Deu anel, pulseira, raio, trovão<br />
escorregou nas águas d'yalodê<br />
<br />
Orumilá entregou seus mistérios<br />
Charmosa, a moça lhe toma posto<br />
Adivinha os segredos d'Ifá<br />
<br />
Vence os falos floretes com sorriso<br />
Derruba reis com gozo gemido<br />
Oxum, rainha, todos deu a si.<br />
<br />
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-11794107563852790532015-01-27T17:37:00.003-08:002015-01-27T17:37:42.165-08:00[poemas] Lápis Pelourinho<div class="MsoNormal">
Meu lápis ficou escravo</div>
<div class="MsoNormal">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Da presença deste homem<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Cujo rosto em verso gravo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Cujo corpo rogo: amém!<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Meu lápis é um cativo <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De minhas memórias líquidas<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dos lampejos de sua beleza<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Dos ruídos que ainda cultivo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
De solidão, lápis gemeu<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De lembrança, lápis riu<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
De gozo, lápis chorou<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Ausência tornou-lhe mudo<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal">
Versos fracos, brancos, surdos<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Palavras do amor liberto<o:p></o:p></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-20866859853874490162015-01-27T15:12:00.000-08:002015-01-27T17:45:21.527-08:00Cenas da Mestiçagem<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjL1GJnN21KH20VcUHULdExgfxjvALNLj9k4aANMKBsxi_JTgNl4GGet0tcDJcK37LNT4nuLYu3JEii8sfbtZyDwKd5Nhc2obFi88hacSft7jL-bAExDzudwCQxwAoIUf-D8t2pXGQIn8w/s1600/ca6.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjL1GJnN21KH20VcUHULdExgfxjvALNLj9k4aANMKBsxi_JTgNl4GGet0tcDJcK37LNT4nuLYu3JEii8sfbtZyDwKd5Nhc2obFi88hacSft7jL-bAExDzudwCQxwAoIUf-D8t2pXGQIn8w/s1600/ca6.jpg" height="320" width="246" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Pintura de Caribé, um dos criadores da representação da mulata nas artes visuais do século XX</td></tr>
</tbody></table>
<b><br /></b>
<b>Cena 1</b><br />
Praia. Um menino negro brinca com uma menina branca, de cabelos loiros e olhos claros. A família negra sentada na cadeira, aprecia a cena.<br />
Pai afirma com orgulho: - Meu filho é retado mesmo. Ói lá ele brincando com a loirinha. Repare como a loirinha tá louca por ele. Esse menino é danadinho! Conquistou a loirinha.<br />
A mãe e os tios comemoram e concordam o feito do garoto.<br />
<br />
<b>Cena 2</b><br />
Uma mulher negra assiste ao noticiário. Ela não é uma mulher negra de tez mais escura, o que leva a ter algumas confusões sobre qual é sua raça.<br />
Um cantor famoso da década de 90 aparece na TV e sua trajetória com as drogas é relatada no programa, sua luta sem sucesso para superar o vício.<br />
Diante da imagem da celebridade decadente, um homem negro, ela conclui:<br />
- Negro, quando não caga na entrada, caga na saída.<br />
<br />
<b>Cena 3</b><br />
Numa seleção de modelos, uma profissional foi preterida. Negra de tez mais clara, ela não foi escolhida por não ser o suficientemente preta. Ela se sentiu discriminada. A autora, que vos fala também uma vez, perdi um trabalho por não ser escura o bastante. O fato foi que lamentei pelo cachê perdido, mas sei que negras do meu tom de pele estão mais frequentemente nas publicidades (nas poucas que temos), nos filmes e telenovelas. Negras mais escuras não estão representadas em lugar nenhum. Não são mulatas o suficiente - e a mídia brasileira só suporta lidar com mulatas - seja lá o que isso for.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-45803968252697577582015-01-25T18:37:00.000-08:002015-01-25T18:37:31.939-08:00[lírica] Sobre Marte e outros deusesDesde que Marte pousou no céu, tive assombroso medo do fogo e dos homens.<div>
Desde que Marte pousou no céu e Kali iniciou suas danças sobre a terra, coloco ao meu lado da cama uma xícara de mel. </div>
<div>
Contudo, o calor é tanto que esse mel borbulha e ferve. </div>
<div>
Desde que Marte pousou no céu e Ogum deu a partida no céu carro, entoo o balido da cabra.</div>
<div>
Destilo o mel na água para que meu corpo funcione. </div>
<div>
Bebo o mel e o sinto no encontro entre meus dedos: sou irritada e doce.</div>
<div>
Exu me abraçou e fiquei tranquila. </div>
<div>
Yansã me abraçou e sua ventania me trouxe paz: estou em casa. </div>
<div>
Oxalá me deu suas bênçãos e no Bomfim vi tanta luz.</div>
<div>
Desde que Marte pousou no céu, invoquei todos os santos e divindades.</div>
<div>
Convoco a paz de São Francisco. </div>
<div>
Peço que as Yabás acalmem os rios revoltos na Nigéria.</div>
<div>
A Nossa Senhora que inspire a tal liberdade, fraternidade e igualdade, tão cantada e nunca vista.</div>
<div>
E que Netuno não nos faça confundir fé com dominação.</div>
<div>
Desde que Marte pousou no céu, adoto O Eremita como amigo.</div>
<div>
E na saída dos barcos para Yemanjá eu peço: abundância.</div>
<div>
E que o mel seja doce. </div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVQJmTiz6xRLDEbvB-D4MBKdyQ_22d0YrdiK1PQL6Uijvg5ZFbOltKr3X0K1f_1M7xkfKGzZWAHpbPmapQSvQBU5LxEENXv2FYviLTeGjb4VC0LP2eMo2oTLke9LNa2f-0DFl_3tfhjx4/s1600/Tenda-de-Ogum_191.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiVQJmTiz6xRLDEbvB-D4MBKdyQ_22d0YrdiK1PQL6Uijvg5ZFbOltKr3X0K1f_1M7xkfKGzZWAHpbPmapQSvQBU5LxEENXv2FYviLTeGjb4VC0LP2eMo2oTLke9LNa2f-0DFl_3tfhjx4/s1600/Tenda-de-Ogum_191.jpg" height="123" width="320" /></a></div>
<div>
<a href="http://tendadeogum.com/" target="_blank">Origem da imagem</a></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-58783063695645094552015-01-24T12:26:00.000-08:002015-01-24T12:26:37.733-08:00Sobre café com leite e cabelos bons<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDRVa5_OdosFu4cn8zFm6vHGlzjisyAKiWOXVt3FxRcsXNaItN7fkVCgYtROYi0tu-4wPJdJVCwon7kMpgQTtUG5M84-vUG9aNQAaInBwTZGR25Z6VqHP7o6qGqyeE54dBizttpAYFUbQ/s1600/lapis-de-cor.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhDRVa5_OdosFu4cn8zFm6vHGlzjisyAKiWOXVt3FxRcsXNaItN7fkVCgYtROYi0tu-4wPJdJVCwon7kMpgQTtUG5M84-vUG9aNQAaInBwTZGR25Z6VqHP7o6qGqyeE54dBizttpAYFUbQ/s1600/lapis-de-cor.jpg" height="253" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Doze tons de pele criados pelo Uniafro/Pinktor melhor satisfazendo a diversidade étnica brasileira</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Uma mulher com um cabelo afro bonito, frondoso, armado para cima. Ela é bonita. Tem a pele bem preparada pelos produtos de beleza que vende: sua beleza é seu cartão de visitas. Ela está num salão, onde apresenta produtos e maqueia mulheres. Em sua volta, todas mulheres são negras. Cada uma com uma textura de cabelo diferente, experimentando uma diferente estratégia de penteado: tranças alongadas, tranças nagô, cabelos crespos naturais, megahair... de maneira geral, parecem mulheres bem fortalecidas em sua forma beleza.</div>
<div style="text-align: justify;">
A tal mulher se olha no espelho e conta que seu pai era índio - engraçado que na cultura mestiça brasileira, alegar que os antepassados são índios, fazem alguma espécie de distinção para aquele negro que visivelmente não tem presença do branco em sua árvore genealógica. Ela explica que suas duas irmãs tem cabelo bom e apenas ela nasceu com um cabelo como aquele. A conversa não rende. </div>
<div style="text-align: justify;">
Sinto-me um pouco aliviada. </div>
<div style="text-align: justify;">
Diante de tantos cabelos, extremamente maleáveis para se fazer o que desejar, é pesadamente triste ouvir que bom é só uma estrutura de fio, lisa, muito distante da maioria das cabeças dessa cidade.</div>
<div style="text-align: justify;">
Escuto a pouco na TV a experiência de uma artista visual, que desenvolve uma palheta de cores a partir da diversidade da peles brasileiras. A criadora ofereceu formulários para que o público preenchesse auto-afirmando qual seria a sua cor. Café com leite, chocolate, morena bronzeada pelo sol... A repórter fala da criatividade brasileira e a beleza das negociações da nossa mestiçagem.</div>
<div style="text-align: justify;">
Do sofá, discordo. Não enxergo beleza nas negociações usadas pelo brasileiro para não se afirmar negro e se escamotear em qualquer outro distintivo do que isso representa. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjE3GeZhjKGsn5wfUn6ngvKIZE91JoZc-iOLEP5gUnxvVLL2C7Moyi6AmmDBojIYXt5sKnIWau4yn7W6C9ev2X9HHUJRm2TCIJ9SyKc1JZoILvCX3pcRMcj3fSlNIBupJ3XYJBRNMyzV8Q/s1600/palheta+de+cores_adrianavarej%C3%A3o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjE3GeZhjKGsn5wfUn6ngvKIZE91JoZc-iOLEP5gUnxvVLL2C7Moyi6AmmDBojIYXt5sKnIWau4yn7W6C9ev2X9HHUJRm2TCIJ9SyKc1JZoILvCX3pcRMcj3fSlNIBupJ3XYJBRNMyzV8Q/s1600/palheta+de+cores_adrianavarej%C3%A3o.jpg" height="320" width="318" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">A artista visual Adriana Varejão compôs a paleta de cores intitulada Polvo, contemplando a diversidade de cores do povo brasileiro, mas também fazendo um questionamento para os fornecedores de tinta óleo: "o que é cor de pele"</td></tr>
</tbody></table>
<span id="goog_1886635139"></span><span id="goog_1886635140"></span><br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-62469245339180002032015-01-22T08:47:00.000-08:002015-01-22T09:27:47.704-08:00Sista Nigéria<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDQ-oMyzKuY9CYcYes6QHfa070X4c9EsoAF8gcQzX_ziDxji7axhWdfcxdHD8cO8yaKbdYvqcFkoqIjbJT1eZfbzauwGwGqHUODx6VVlHbo0Xp6ewwHWw1tK-PspTVT2ZY3nZ7Hwflgas/s1600/nigeria_girls.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDQ-oMyzKuY9CYcYes6QHfa070X4c9EsoAF8gcQzX_ziDxji7axhWdfcxdHD8cO8yaKbdYvqcFkoqIjbJT1eZfbzauwGwGqHUODx6VVlHbo0Xp6ewwHWw1tK-PspTVT2ZY3nZ7Hwflgas/s1600/nigeria_girls.jpg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
Uma das mais de 200 meninas sequestradas pelo Boko Haram.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Desde o dia 8 de janeiro, em algum momento do dia, faço uma prece pela Nigéria. País a quem devemos muito da nossa herança cultural, mas que pelo nosso baixo conhecimento sobre o continente africano, chapamos numa evocação de Mama África, como se toda ela fosse uma coisa só. As influências idiomáticas que carregamos do yorubá, os hábitos nagôs, o trançado dos cabelos, o panteão mitológico do candomblé que cultuamos são um pouco que nossos antepassados nigerianos trouxeram para cá dentro dos navios e fizeram resistir ao longo de séculos. Devíamos cerrar o punho sobre o peito e dizer sem dúvida: Somos Nigéria.</div>
<div style="text-align: justify;">
Somos parecidos também em história de colonização, exploração e diminuição do valor da cultural nativa, em exaltação dos hábitos da metrópole, além de sucessivos golpes sobre a democracia e governos corruptos, absolutamente descomprometidos com o desenvolvimento local. Com o agravante, que a presença do colonizador se fez mais austera, até os anos 60, fazendo da Nigéria, um país cuja independência é ainda uma novidade - realidade comum aos vários países do continente, que há menos de 50 anos iniciaram seu processo de descolonização.</div>
<div style="text-align: justify;">
A cultura tribal esmagada pelas religiões hegemônicas: o cristianismo e o islamismo, proporciona uma divisão dentro do país, que é ao sul, mais desenvolvido e católico e ao norte, mais islâmico e rural. A cultura ocidental imposta como superior, não à toa é motivo de ódio, dor e fraturas, dando margem ao surgimento de um grupo extremista e violento como o Boko Haram, que significa "a educação ocidental ou não-islâmica é pecado", cuja a missão é formar um califado em toda região e aplicar a lei sharia, uma distorção da lei islâmica. </div>
<div style="text-align: justify;">
Em cinco anos de atividade do Boko Haram, já foram vitimadas mais de 13 mil pessoas, sendo em número significativo as mulheres e meninas as principais vítimas. Além do atentado dos mais violentos da história do terrorismo do mundo, sobre a comunidade de Baga, matando em pouco tempo 2.000 pessoas, sem encontrar resistência ou enfrentamento por parte do estado nigeriano, o grupo extremista também foi autor do sequestro de 276 meninas, entre 8 e 15 anos de idade, transformadas em escravas sexuais e obrigadas a casar com seus algozes. O componente misógino do grupo chama atenção pela crueldade e perversidade, evocando a Sharia como autorização para o estupro e escravização das mulheres e meninas. No Norte da Nigéria, mais de 80 escolas fecharam as portas, por temor da ação do grupo - que almeja impedir o acesso das mulheres à educação formal, especialmente a ocidental. </div>
<div style="text-align: justify;">
Os governantes nigerianos seguem omissos, silentes e pouco comprometidos com o enfrentamento ao grupo, numa atitude de conivência, não oferecendo resistência nem compromisso com garantir a vida do seu povo nem frear a fúria do grupo. É inevitável perguntar o porque de tamanha omissão, seja por comprometimento com lideranças desse grupo, seja por desdenhar das vidas de mulheres e meninas violadas e transformadas em bomba. Seja pela atenção maior com ser corrupto e menos com as vidas consumidas pela barbárie. </div>
<div style="text-align: justify;">
Como de costume, o resto do mundo mostrou suas condolências às vidas dos franceses mortos pelas ações de terrorismo em Paris. Líderes de todo mundo compareceram e mandaram representantes, inclusive dos vizinhos da Nigéria, alguns na mira das ações do Boko Haram. É inevitável pensar que a vida de 13 homens europeus tem valor superior que milhares de nigerianos mortos com requintes de crueldade. A imprensa mundial rendeu pouco espaço para discussão, pouco esforço de análise e várias desculpas foram dadas. Aqui mesmo, portais de notícias argumentaram que a violência em Paris nos choca mais por sermos mais próximos dos franceses, pelas relações afetivas. De cá, numa terra onde rendemos flores à Yemanjá, fazemos festa para Oxalá e toda cidade é de Oxum, estranho um pouco a declaração. Parece-me que a afetividade e a capacidade de emoção é mais inclinada para vítimas brancas que negras. Não é estranho que num país onde meninos morrem diariamente pelas mãos da polícia brasileira, sem julgamento ou investigação, a sociedade e a gestão pública fecha os olhos. É mais fácil se comover com o brasileiro morto pelo regime da Indonésia, que legalmente concede pena de morte aos envolvidos com o tráfico. </div>
<div style="text-align: justify;">
Assim, explicações várias : a dificuldade de obter imagens seja pelo acesso tenso ao local do massacre, seja pela falta de conectividade na região; o descompromisso dos governantes em fornecer informações precisas dos fatos... Muitas foram às justificativas para o desigual tratamento dado ao assunto, todas baseadas nos velhos critérios de noticiabilidade...que servem pouco na hora de se priorizar que BBB foi flagrado na praia, tomando sol. Sangue derramado de pretos não comove: faz parte da história negros se matando. </div>
<div style="text-align: justify;">
Pensei em empreender iniciativas, unir pessoas, articular uma ação. Tentar fazer com que Salvador simbolicamente afirme "Somos Nigéria". Tentei dizer para os portais de notícias brasileiros, para Globo News, para os noticiosos: "queridos, somos descendentes desse povo. Somos mais próximos deles do que qualquer francês do Charlie". Não sou essa articuladora. Sou apenas uma pessoa que escreve. </div>
<div style="text-align: justify;">
Acendi uma vela pedindo pelas minhas irmãs. Peço que elas possam reencontrar a liberdade. E que alguma luz resplandeça sobre a cabeça dos que gerem o mundo: façam algo pela Nigéria. Não precisamos de uma nova Ruanda nos anos 2010. Não precisamos fechar os olhos para mais uma ação genocida. </div>
<div style="text-align: justify;">
Je suis Nigeria. Je suis mes frères. </div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjClTONLUCK53lIkGk2ejl5YYhXG62cT_qtus6qqkwQUAnlYenaiJEWWw6PCt4zlsZ2hlW8B9wAbS_jH8YDlDMhQbCCCnb4vjjWcomgZ4r7qLKlg7ADWxgPXurcJSkmlBdWcvrgV5aubR4/s1600/20150120_020624256_iOS.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjClTONLUCK53lIkGk2ejl5YYhXG62cT_qtus6qqkwQUAnlYenaiJEWWw6PCt4zlsZ2hlW8B9wAbS_jH8YDlDMhQbCCCnb4vjjWcomgZ4r7qLKlg7ADWxgPXurcJSkmlBdWcvrgV5aubR4/s1600/20150120_020624256_iOS.jpg" height="320" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Bandeiras disposta no acesso a um dos mais antigos terreiros de candomblé baiano. Lá está a Nigéria representada.</td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-49434446419388923582015-01-21T19:08:00.002-08:002015-01-21T19:08:42.971-08:00"O que você vai fazer com seu cabelo"<div style="text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJB9fQq4bhjgFjrWP3e6L4pHo08iF7i9NH1WsDJOu2ez3Wt0ML3sn-2b3en0BpMHyPLmeVrDqOTxrzOSRGWL8U_M_l21B7-rM2pOeSy3zvfPlebXpSuoWkkhQHhnKs_OFyJCm6baXaaA7k/s1600/eusouneguinha.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJB9fQq4bhjgFjrWP3e6L4pHo08iF7i9NH1WsDJOu2ez3Wt0ML3sn-2b3en0BpMHyPLmeVrDqOTxrzOSRGWL8U_M_l21B7-rM2pOeSy3zvfPlebXpSuoWkkhQHhnKs_OFyJCm6baXaaA7k/s1600/eusouneguinha.jpg" height="320" width="212" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">De como eu fui descobrindo meu black, nessa descoberta de como cuidar do cabelo e tomar poder.</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<br />
Desde muito cedo, entendi que meu cabelo era alguma espécie de problema, a ser tratado com severa atenção. Minha mãe me deixava no salão, para que fossem feitos os procedimentos e ia para seu trabalho. Meus cabelos sempre foram muito muito cheios. E as cabeleireiras olhavam com extremo desgosto. Bem como as demais clientes, que pediam para passar na frente, pois meu cabelo iria demorar.</div>
<div style="text-align: justify;">
Primeiro foi o ferro. Que fedia. Queimava meu coro cabeludo e as orelhas. Mas deixava meus cabelos soltos e eu podia correr com eles. Depois foram os alisantes, os permanentes. Que igualmente fediam, machucavam meu couro cabeludo e me permitiam soltar o cabelo por um tempo. Havia as tranças. Eu não gostava porque elas apertavam meus cabelos, esticavam meus olhos e levavam diariamente 30 minutos de preparo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Aí veio o corte curto e com ele deixei de ser menina. Virei uma entidade estranha. Pouco atraente e feminina. Mas era prático. Especialmente para quem não tinha dinheiro para os alisantes. E aos 15 anos, o advento dos permanentes afro e o sonho dos cachos ao vento. Os umidificadores, ativadores de cacho, massagens. Me sentia quase uma negra americana, com cabelos incríveis. </div>
<div style="text-align: justify;">
E aí os lapsos de tempo, meio esquisita, entre o cabelo de química e o indesejável cabelo natural. Não havia capital para atender às demandas constantes de produto, nem manter aquele cabelo incrível. Então, vinha o escárnio, as piadas, os comentários maldosos: "ela é ridícula com esse cabelo". E não sabia que os colegas do grupo religioso comentavam às gargalhadas sobre meu cabelo estranho. E ficava entristecida porque o menino que eu gostava no final da adolescência enfatizava que mulher precisa ter "cabelão".</div>
<div style="text-align: justify;">
Escravizada pelos alisantes, permanentes, defrizantes, escovas, eu vivia oprimida por passadeiras, lenços, grampos e o temor constante do corte químico. Eu ficava bonita de três em três meses, seis em seis meses. E tinha um pesar de ter nascido assim...com um cabelo que todos e eu própria, consideravam ruim.</div>
<div style="text-align: justify;">
Até que, depois de ver, tantas meninas que eu considerava bonitas, aderindo às tranças com apliques, considerei a possibilidade de utiliza-lo. E algum clique deu em mim. E pela primeira vez na vida me considerei bonita. E bastante negra - até então eu não tinha certeza, porque não sou uma negra que as pessoas afirmem sem eufemismo - e isso me delimitou um lugar novo até então: uma espécie de aceitação se firmou em mim. </div>
<div style="text-align: justify;">
Quando chegou a hora das tranças serem trocadas, sozinha no quarto, peguei a única tesoura da casa, um tanto cega e com um espelho fui cortando o comprimento cheio de química. E depois de anos descobri como era meu cabelo mesmo. Eu já não lembrava desde a infância. O que veio a seguir foi uma insegurança, misturada com uma afirmação e a busca de força para lidar com as perguntas "O que você vai fazer com esse cabelo? Parece uma pessoa desmazelada", "Você não quer dar um relaxamento", "Precisa fazer algo com esse cabelo". As expressões de desagrado da minha família passaram a ser algo a conviver. Aos poucos encontrei uns jeitos de fazer tranças de dois, eventualmente novos apliques, até que um amigo disse "Você seria muito mais bonita se aceitasse seu black mesmo. Você vive disfarçando". </div>
<div style="text-align: justify;">
Ele era branco. Ele falava uma verdade que nem eu sabia. Eu ainda disfarçava. E muito. Parei de enrolar de dois. Fazer coquezinhos. Há anos desisti de qualquer química e encontrei um eixo de entendimento do lugar político da minha escolha estética. Entendi que meus cabelos são uma zona de afirmação: sou acintosamente negra. E sinto no meu cabelo cheio, que abre a cor das pontas a cada verão, o que faz de mim, uma sarará - termo ressignificado por Gilberto Gil - minha força. Minha beleza, minha definição de um lugar de estar no mundo. </div>
<div style="text-align: justify;">
Definição essa que já me rendeu o espanto de um amante branco, que nunca estivera com uma mulher negra "Meu Deus, como seu cabelo é macio". A pedrada carregada de xingamentos de um garoto negro. A evocação por "Xica da Silva" nas ruas de Buenos Aires. Orientações atenciosas de rapazes negros nas ruas do Rio Vermelho "Ninha, você gostosa, mas alisa esse cabelo, mãe". Já ouvi muita coisa nessa vida. E hoje, consigo não me importar. A minha escolha estética não é unânime. Só é política. E isso já é muita coisa.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdqzEAGyW2b0qAspp4dWuDligq6BsCPzbkPAoyAfc2vdBQScWLPPje4w_nXVXZoog2lX1sotu-F9baNwm24NrQdO0nccV152h3WL4JaNoWE5VmqwMdaYV3FyTYwOn4zBcXQGXOfqoov2DJ/s1600/digitalizar0001.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdqzEAGyW2b0qAspp4dWuDligq6BsCPzbkPAoyAfc2vdBQScWLPPje4w_nXVXZoog2lX1sotu-F9baNwm24NrQdO0nccV152h3WL4JaNoWE5VmqwMdaYV3FyTYwOn4zBcXQGXOfqoov2DJ/s1600/digitalizar0001.jpg" /></a></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
Uma criança do final dos anos 70, com cabelos fartos em laços de fita. </div>
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<b>Algumas produções interessantes sobre o tema: </b></div>
<div style="text-align: justify;">
"Americanah", romance de Chimamanda Ngozi Adiiche, que fala de muita coisa: racismo, amor, padrões de beleza, países emergentes...mas especialmente de cabelo e o seu lugar de opressão e empoderamento na vida de uma mulher negra. Um deleite.</div>
<div style="text-align: justify;">
"Sem perder a raiz - Corpo e cabelo como símbolo da identidade negra", tese de doutoramento de Nilma Lino Gomes. A pesquisadora percorreu salões de beleza, com especializados em cabelos crespos, em Belo Horizonte e observou esses espaços como ambientes de sociabilidade, compartilhamento e fortalecimento das mulheres negras. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Dois virais fresquinhos da internet:</div>
<div style="text-align: justify;">
A Campanha Francesa da Dove sobre as crianças e a importância da aceitação dos cachos:</div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="http://youtu.be/ou7CyPtkpng">http://youtu.be/ou7CyPtkpng</a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O site americano Cut fez um vídeo demonstrando as várias mudanças negras ao longo dos últimos 100 anos</div>
<div style="text-align: justify;">
<a href="http://youtu.be/LTp9c9bsY_Q">http://youtu.be/LTp9c9bsY_Q</a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-26679098766620995922015-01-21T10:46:00.002-08:002015-01-21T17:02:41.445-08:00Representar para ser representada<div class="MsoNormal">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhks9w0mktVs2wFBvgz705qrnmf5rsV1KNQmsaJ6H3YlSwPGoRp_hHfPXk6jNCACqAT1gNtAEbIYycIohkhNMA47jsCT9ASyM5rJkfxzmZ402sl0w5lFJY2aqW7V3DSCgQe5fq_gXWSZtc/s1600/1-_MG_9410.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhks9w0mktVs2wFBvgz705qrnmf5rsV1KNQmsaJ6H3YlSwPGoRp_hHfPXk6jNCACqAT1gNtAEbIYycIohkhNMA47jsCT9ASyM5rJkfxzmZ402sl0w5lFJY2aqW7V3DSCgQe5fq_gXWSZtc/s1600/1-_MG_9410.jpg" height="320" width="213" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Crédito: Priscila Fulô<br /></td></tr>
</tbody></table>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há um tempo me inquietava a forma como a mulher negra é
(quando chega a ser representada) nos produtos dramatúrgicos brasileiros. A negligência,
o estereótipo, a falta de ousadia, a invisibilidade e a mesmice me incomodaram de
formal que isso me demandou atenção de forma tal, que fui acumulando leituras e
inclinando-me na direção de fazer disso minha pesquisa de doutorado. <o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
Até o dia que percebi que faria uma tese para identificar o
identificado: a mulher negra ainda é longe de ser representada no Brasil. Para além
de ser a amorosa babá, a fogosa empregada, a ama de leite eterna e sem família,
ou a amiga inteligente e bem vestida da mocinha branca da história, não há
muito mais espaço proposto na nossa teledramaturgia. Depois de muito vociferar,
bufar, rascunhar e protestar nas mesas de bar, devo confessar que essa
representação vem me desinteressando. Causou-me desinteresse perceber que não
há nada de novo e o obvio ululante não me moveria para lugar algum. Até aceitei,
o desagradável comentário do avaliador da banca de seleção de doutorado: “sua
pesquisa é irrelevante”. Naquele momento me soou machista, racista e muito
antipática a avaliação daquele senhor. Hoje, deslocada no tempo, percebo que minha
pesquisa seria realmente irrelevante, porque em dez anos de conquistas sociais,
pouco avançou na representação do negro do Brasil (embora haja espaços sim de
conquistas e momentos de rara oxigenação).<o:p></o:p></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Até o momento em que a ficha me caiu: nada vai mudar
enquanto o negro, mais especificamente, a mulher negra for autora. Enquanto meninos
crescidos em prédios da zona sul do Rio de Janeiro, que só frequentam o nordeste nas férias de verão, o
Norte quase nunca e só tem como referência de mulheres negras as suas
respectivas empregadas domésticas, cuja vida é desumanizada e superficializada,
nada vai mudar em termos de representação. <o:p></o:p></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há poucos dias terminei a leitura de “Americanah”, da autora
nigeriana Chimamanda Ngozi Adiiche. E página a página surpreendi-me com a extrema identificação estabelecida entre
mim e a personagem Ifemelu. Identificação que me lembrou o meu primeiro contato
com Loreley, personagem que me rendeu um solo tealtra, uma pesquisa de Mestrado
e um looongo envolvimento com Clarice Lispector. Contudo, devo dizer que agora
o espelhamento produzido com essa autora e personagem foi mais estreito, mais
biográfico por assim dizer. Essa mulher negra empoderada, comunicadora, que transita
num mundo acadêmico e político, onde as discussões sobre o racismo pululam, mas
também a sua expressão velada, pareceu-me tão próximo, que estou aqui. Falando
dele. <o:p></o:p></div>
</div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Assim, compartilho aqui minha mudança de projeto de
pesquisa. Não me interessa mais saber como Miguel Falabella tenta representar
mulheres negras. Por que Avenida Brasil faz uma incrível periferia carioca de
jogadores de futebol e cabelereiras sem negros e negras. Me interessa saber os
mecanismos usados por mulheres negras para se representar. Conhecer dramaturgas
e diretoras negras que Brasil a fora, criam seus próprios textos, personagens e
falam para os seus e não seus. <o:p></o:p></div>
</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<div style="text-align: justify;">
Muda cacique. <o:p></o:p></div>
</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-83847995160548270732014-11-23T16:43:00.001-08:002014-11-23T16:43:04.000-08:00Outra coisa<div>Alguma coisa fechou, acabou, feneceu, rompeu, desfez, dissolveu da noite dormida para acordada. </div><div>Alguma parte do peito dela que aspirava, sonhava, clamava, queria, pedia pela aparição, sorriso, presença, mão dele aceitou mansamente, resistindo, inconformada que não viria.</div><div>Ele não viria. Ele não queria. Ele era de outra coisa, pessoa, vontade, verdade, tempo. Dela ele não queria ser. Não era. </div><div>E todo aquele amor que ela alegre cultivava murchou com o tomateiro. </div><div>E das lágrimas que rolaram naquela madrugada nasceram desenhos, poemas, pães, saudades, tristezas, outros desejos, memórias.</div><div>E todo aquele amor amanheceu outra coisa. E ela já era também outra. </div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-2763334300105260362014-11-23T16:41:00.001-08:002014-11-23T16:41:39.658-08:00Carta (I)<div>Prezada Leonora,</div><div><br></div><div>Escrevo-te porque embora a distância e as poucas palavras, preciso lhe falar. Recebi notícias suas por Marta. Fiquei alegre de saber que conseguiu bom cargo na fábrica e que você é Genesio prosperam muito. Digo-lhe que acho tão admirável o bom encontro que a vida concedeu: este amor nos tempos de primavera, dotado de poesia e gentileza. Vocês são árvore florida no fim de tarde, brilhando o dourado das últimas horas do sol.</div><div>Escrevo-te acima de tudo porque ocupo por hora seu antigo quarto, que aluguei com os móveis dentro, nas mãos de Josefa. Pago um valor muitíssimo bom e justo. A localização tão desejada, a ventilação adequada e a vista para praça são tão aprazíveis, que me fazem amar enormente o lugar. </div><div>A querela é que Josefa não me permite retirar seus pertences do armário, nem as fotos da parede. Preciso de sua autorização, sabe bem? Não vejo como poder estender minhas roupas no armário ou pregar minhas fotos e pequenos quadros na parede. O fato é que o quarto ainda não é meu. Ainda é seu, Leonora.</div><div>E seria simples não fosse eu essa alma sensível: suas fotos dizem da altivez que não tenho. Dizem dos meus olhos enterrados no chão. Das minhas mãos tremulas. Da minha mudez diante da sua presença austera e delicada nesse quarto. </div><div>Leonora, saiba, minha admiração é grande, embora suas roupas no armário pareçam merecer mais aquele espaço que o meu. Meus vestidos meio rotos, meio desbotados ainda se encolham na mala.</div><div>Sinto uma vergonha grande, porque minha intimidação é tão funda diante da herança que herdei de seu quarto, que não consigo lutar por ele diante de Josefa. Leonora, se habita outra cidade e se não lhe parecer desacordo, autorize minha instalação por completo.</div><div>Leonora, compreenda: vivo num concurso de Miss que já perdi, mas por algum motivo não abandono. Leonora, peço desculpas as palavras tortas, tontas, em fuga.</div><div>Leonora, obrigada o carinho de sempre.</div><div>Cordiais saudações,</div><div>Mirtes.</div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-90236884192405405622014-11-18T15:57:00.000-08:002014-11-18T15:57:15.394-08:00Sobre o tempo.Sou toda urgências. Nesse tempo em que só o que importa é para depois.<br />
Sou inteira pressa. Nesse tempo em que descansar é quase uma vergonha.<br />
Sou completa produtividade. Nesse tempo em que o ócio é ostentação.<br />
Sou absoluto ruído. Convoco o silêncio.<br />
Sou frêmito. Evoco a parada.<br />
Sou tumulto. Persisto estacada diante da solidão.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-1897783622645844942014-09-29T13:59:00.001-07:002014-09-29T14:26:39.795-07:00Reparos poéticosLi uma matéria sobre o despertar do olhar. Perceber o cotidiano perdido sobre a poeira das tarefas. Mas também evocar a capacidade de reparar nas coisas: porque passamos a olhar o mundo pelas câmeras dos nossos celulares, pelas fotos toscas que fazemos para o instagram, selecionando filtros para realidade.<br />
A matéria me despertou a vontade de reparar o meu domingo. E disso saiu isso aqui:<br />
<br />
- A minha amiga que cresce comigo<br />
Desde os 19 anos sou amiga de Lisavietra. Amiga para quem não tenho vontade de expressar meus pensamentos mais absurdos, mais mesquinhos. Porque sou mesquinha - embora não queira. Sou medíocre - embora não queira. Gosto de poder ligar para Lisa e falar absurdos e ser acolhida. Gosto de ser amiga de Lisa e de ver que somos loucas em cooperação mútua.<br />
<br />
- As flores devolvem a serenidade que não tenho em abundância<br />
Gerberas, margaridas e rosa. Espalhei pela casa. Elas preenchem tudo de colorido e combinam com o verde igualmente espalhado pelos cantinhos do ambiente. As flores me preenchem de alegria. Uma alegria sem propósito. São um afago que me dou. Coloquei as rosas diante de minha Yemanjá e minha Maria. E de algum modo presenteio o feminino, essa amorisidade em forma de imagem. E a ansiedade que me faz cativa em muito tempo, aplaca-se. Sou também flor serena ante aquelas flores.<br />
<br />
- O cheiro de tempero na sala.<br />
Dendê é meio doce, ainda mais misturado com leite de coco, cebola frita, azeite doce. Dendê preenche de cor a panela. De perfume a casa inteira. E aquele cheiro bom me leva para algum lugar afetivo onde sou mais mocinha. Mais delicada. Sou mais de panelas que de afagos.<br />
<br />
- O beijo<br />
Beijar suspende os pensamentos. Beijar promove um raro estado de presença. Porque meus pensamentos me roubam sempre para algum lugar outro. Não quando beijo. Beijar alegremente me faz contemplar o presente e a entrega.<br />
<br />
- O canto<br />
Cantei tanto e tanto. Plenos pulmões e uma entrega só possível na solidão. E a música me transportou para os 14, 18, 20 e poucos anos. E ainda tenho o muito que tinha, só que sou mais leve, mais alegre e menos melancólica. Sou mais risonha e menos sisuda. Rio de mim e não tenho grandes expectativas. E acho minha desafinação engraçada. Não preciso agradar ninguém.<br />
<br />
- As formigas<br />
As formigas são mais donas da casa que eu. São sim. Se apossam de tudo em franca velocidade. As formigas andam em caminho fragmentado, meio confusas, mas não menos obstinadas. Elas são velozes. E atravessam toda e qualquer barreira, convocando as demais em extrema solidariedade. Tento me livrar delas. Sou um pouco como elas.<br />
<br />
- Mocinha<br />
Com o tempo aceitei que sou mocinha - daquelas que se perfumam e esperam o moço. Embora seja dessas moças aguerridas, cheia de discurso sobre qualquer coisa, sempre aguardo ansiosamente o momento de ser dominada. E descobri que há uma espécie de libertação em ser tantas camadas de feminino. Ser Oiá no trabalho. Oxum no quarto. Yemanjá na sala. E que todas elas sejam.<br />
<br />
<br />Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-9716133070305658662014-09-22T17:54:00.001-07:002014-09-22T17:54:21.534-07:00Da dispersão necessáriaDe repente, eu que sou toda das palavras, perdi. Porque parece que as imagens se tornaram mais pungente. Talvez porque escrever obriga a racionalizar. E explicar nem sempre é bom. Especialmente quando não se sabe, nem se quer definir rotular nada.<br />
Sinto cheiro das flores aqui de casa. A roseira caiu pela janela. Está despedaçada. Ela. Eu não. Eu sorrio. E desenho coisas. Menos do que as imagens que jorram sob meus olhos.<br />
Sinto peso e cheiro. Disfarço trabalhando. Racionalizo o trabalho para não racionalizar o que sinto. E aquela dispersão vai se aquietando. E fico um pouco trêmula: porque enquanto estou dispersa, sou mais forte.<br />
Mas a fragilidade é necessária. Consentir. Assentir. Sentir. Tudo isso é necessário.<br />
Mas prefiro não rotular. Não sinto nada ainda.<br />
Prefiro só sorrir.<br />
Ponto parágrafo.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-63946694844540144182014-09-16T19:33:00.001-07:002014-09-16T19:33:42.405-07:00Amor de muitos<p style="margin: 0px; font-size: 12px; font-family: Helvetica;">Pagas duas parcelas de credito da paixão de julho, posso dizer agora que o encanto acabou. Na medida em que aquele encontro virou dividas. Na medida em que o príncipe não era de palavra tão bem dada assim. Pagas as parcelas da paixão de julho, em setembro brotam outras flores. Sou outra moca, tanto que nem mais reconheço direoto. agradeço ao amor de maio, junho, julho.</p>
<p style="margin: 0px; font-size: 12px; font-family: Helvetica;">Todos eles deram semente para outra arvore nascer em mim. </p>
<p style="margin: 0px; font-size: 12px; font-family: Helvetica;">Ora pois, o amor se faz somando muitos. Encantos, desencantos, presentes dados, lagrimas e descobertas de tantos outros gozos.</p>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-56248376614941223152014-09-07T16:19:00.003-07:002014-09-07T16:19:58.393-07:00Flor das horas presentes Há dias à flor da pele sem saber ao certo. Porque, por vezes, a pele em flor não é espinho, rusga, rasgo. À flor da pele pode ser também percepção das coisas, dos aromas, do vento frio, das texturas quentes, da audição que se aguça. Ando à flor da pele, puro riso. Noto as rachaduras na perna, percebo os engasgos, mas tudo é de atenção - o presente é nestas horas. Estou nele, cheirando a verbena e rosa. Com hálito de chocolate e desejando o mundo. Logo os jasmins florescem nas janelas e o futuro não se faz susto. Porque das poucas vezes na vida, estou no presente.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-78969712444045539572014-07-21T16:30:00.001-07:002014-07-21T16:30:19.258-07:00Parágrafo FinalTenho o dom de provocar fins. Mais um enuncia no fim da página. Já escrevo para lembrar: devo esquecê-lo. Das obrigações da vida: apagar mentalmente quem nos ignora previamente. Sou muito boa em ser ignorada. Crio situações para falar sozinha. Receber costas viradas. Portas batidas, palavras não ditas. Sou mestre em apegar-me a quem me presenteia com silêncios diante de minhas perguntas. Mais um fim construí. Agora apago mensagens, números, fotos trocadas, expectativas construídas. Desejo que esteja enganada, mas não me engano com fins. Esse chegou e já anoto na agenda: devo esquecê-lo. Não sou boa nisso, mas escrevendo dez vezes, cumprirei essa tarefa: gosto desse rapaz e devo esquecê-lo. Mais um fim se anuncia. E o telefone não vai tocar. Fim.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-48753541644540453692014-07-13T15:07:00.001-07:002014-07-13T15:07:27.197-07:00Quando uma alma reconhece outraPensei que tinha endurecido. Mas não. Não endureci. Não fiquei amarga. Tenho umas marcas, uns medos paralisantes. Penso sempre que não vai dar, que não vai ser, que a pessoa não estará lá. Penso toda sorte de coisas sórdidas, alimentando de fato uma pouca crença. Mas você me apareceu como a esperança sorrindo: não deixei e acreditar em nada. Sou ainda sonhadora, romântica e boba. Diante do seu sorriso, ainda de menino, perco 20 anos e volto aos 15, quando eu já era descrente. <div>E não sei. E as lágrimas são tantas, mas não é dor. É um contentamento que não se contenta em sorriso: por isso, choro. Não sabia que podia ainda me encantar. Não sabia que podia ser aquela moça que sorri de doçura. Você me devolveu esse direito de sentir as pernas tremulas. De dormir suspirando. De sonhar com coisas que me pareciam improváveis. </div><div>E o futuro é só incerteza. Mas esse instante é tanta alegria. É tanto reconhecimento de uma alma paga outra... Enfim, enamorada. </div>Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-23889374414038609412014-06-22T21:14:00.001-07:002014-06-22T21:14:31.824-07:00Ponta de lançaNem miraram lança em meu peito e já choro de soluçar as memórias da vida toda e seus cortes. Já soluço todos os nãos que fizeram o traçado de minhas mãos. Soluço de estremecer até embalar meu sono. Soluço até me cortar e efetivamente ter uma dor na carne. Até a ameaça da lança ser o suficiente para que tudo em meu rosto seja lágrima. Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-12441713599727176422014-06-09T22:08:00.002-07:002014-06-09T22:08:48.284-07:00Lavadeiras ou do tempo que não passa<div>
<div style="text-align: justify;">
Assusta-me pensar o quão o tempo passou pouco nas bandas da terra onde nasci, assim como para as pessoas de tez mais escura que ergueram esse chão. O tempo parece estagnado e suspenso ainda nas horas barrocas - contradições explícitas e abundantes, retorcidas nos corpos e nos ares. </div>
</div>
<div>
<div style="text-align: justify;">
Nas ladeiras, casas pequenas de antigos garimpeiros, homens endurecidos descem e sobem falando com algo que não se vê. Mulheres oram expulsando inimigos. Igrejas se espalham em cada esquina, sejam elas de cruzes, sejam elas de pastores.</div>
<div style="text-align: justify;">
Quase todos os que moram e pouco têm, pretos são. Quase todos que vêm de fora, conquistam mais, brancos são. Lei antiga que muda pouco. Já não brotam diamantes das pedras, alimentando sonhos de mudança, nem mais podem os homens garimpar em busca da riqueza e promessa de vida nova.</div>
<div style="text-align: justify;">
O tempo - mais veloz que folhas em queda, de mudanças mais bruscas que as trombas d'água, que quando em vez, alteram a ordem da natureza - parece não ter se alterado, pelo contrário, ainda em suspenso, instala-se nas trouxas de roupas que as negras mulheres carregam sobre a cabeça e equilibram na descida até o rio. E nas mãos lavam peça a peça, secando sobre as pedras.</div>
<div style="text-align: justify;">
Uma imagem entre poética e triste: ainda se sustenta família, lavando-se roupas no rio. E há que se suspirar, pois há famílias que pagam outrem para lavar suas próprias vestes, ainda não uma máquina.</div>
<div style="text-align: justify;">
O tempo segue estático tanto quanto as pedras ardósia. O tempo permanece, assim como a malemolência dos corpos das negras lavadeiras. Como a rigidez dos que já não garimpam e vivem de tempo. </div>
</div>
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4817140784234521103.post-88515232547268412562014-06-09T21:35:00.002-07:002014-06-09T21:35:36.700-07:00A loucaAlgumas vezes faz-se necessário acalmar a louca interior. Fazer compressas e colocar sobre sua testa febril. Dar-lhe doses grossas de xarope. Segurar sua mão, enquanto tenta dormir. A louca quer sair. Ela treme de frio, enquanto ri e faz profecias, que ninguém deseja ouvir. Não há que se lutar contra a loucura: ela subjaz sob a pele, é expelida tal qual suor. A loucura é a única coisa que é. Pinguei óleo essencial me um copo d'água e fiz com que bebesse. Deixei que a louca chorasse um pouco as dores de nada que é, mas apenas do medo que fosse. Esperei que soluçasse e depois de mais água, a louca assentiu - não faço o menor sentido. Posso continuar a ser doce. E a não fazer sentido algum.Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/03269265671446677967noreply@blogger.com0