segunda-feira, 22 de julho de 2013

A Lua

E lá fora a lua cheia inflama os nervos. Balas de borracha. Balas de pólvora inflamam músculos acesos que protestam contra fés sedimentadas sobre hipocrisias. Mulheres se beijam. Alguém cobre o rosto. Por aqui, pouco barulho. Inflamadas só as espinhas. Ocuparam a Câmara de Vereadores. E diante da indignação virulenta, uma esperança de que os olhos vejam que as coisas não vão bem, embora já tenham sido muito piores.
O horóscopo avisa: não se exponha à rua, à noite, aos deslimites. A doença está no ar. Mas me sinto esperançosa: parece que finda o tempo para o conformismo. Me sinto esperançosa: parece que finda o tempo para os tapetes mágicos que escondem poeira de séculos. Parece que finda. Mas a máquina de produzir inflamações ainda não pára. Ainda não fora desengrenada: a rua é silente, porque nos guardamos em casa pelo medo. A rua é silente, porque ninguém se arvora a andar nas ruas às 22h. Nem eu... que me resguardo, motivada pelo horóscopo e pela covardia.
A lua, quando enche, deixa as emoções turvas. Faz os dentes inflamarem, recorda as fraturas, embaça a noite. A lua, quando enche, traz coragem, lembra o amor. A lua também ilumina o Papa.

sábado, 13 de julho de 2013

Desnaturalizando o medo

Dos 11 aos 18 anos cultivei a feiura. Sim, achava que só a feiura poderia me proteger do mal. Me tornar invisível aos olhos dos homens, que notariam que eu teria crescido. Não era mais menina. Assim, tinha uma apreço especial por usar roupas largas, mangas compridas e tudo aquilo que escondesse as formas do meu corpo. Aos 11 anos comecei a andar sozinha na rua, para ir à escola, resolver coisas para minha avó como comprar pão, passar na bomboniére, comprar jornal. E andar sozinha era aterrorizante. Era. Naqueles tempos ouvia as coisas mais vulgares, mais nojentas, que uma menina de 11 e 12 anos, nem idéia do que se trata. Me sentia assustada. Com um medo que doía nos ossos. Não contava isso para ninguém, tinha vergonha.
Os mesmos homens asquerosos que tentavam a todo custo passar a mão na ovelha nova que eu era, eram respeitosos quando eu saia com minha avó, com minha mãe. Mas eu sabia quem eram. Sabia dos olhos perversos. E entendi o código que ali se estabelecia, o código de respeito diante dos adultos e vilania, quando a menina estava caminhando sozinha.
Passei a andar abraçada com os cadernos. Porque nesse trajeto de casa para o ponto de ônibus, um guardador de carro tentou tocar meu seio. E eu consegui bater nele com o caderno. E a partir desse dia, os cadernos e livros tornaram-se escudos.
Por toda adolescência, cultivava certa crença, que vivendo no Pelourinho e andando pelo centro da cidade, a melhor coisa que me acontecera foi não ser bonita. A feitura, ao meu ver, protegia minha dignidade. Evitava que eu me machucasse severamente.
Aos 18, 19 anos, comecei a andar de camisetas. Novidade no meu vestuário. E ainda não era proibido andar sem sutiã. Achava que por não ter seios grandes, estava liberada para usar camisetas confortavelmente. Por conta disso, fui perseguida da Castro Alves até o Shopping Lapa. Um sujeito falava sujeiras atrás de mim, por mais que eu desviasse, andasse rápido, lá estava ele. Manifestando seu direito de me oprimir. Desse dia em diante, não me foi mais permitido ser tão livre.
E embora sofresse, tivesse medo, não entendia que tudo aquilo fosse violência. Entendi isso muito tarde. Nesse banalidade do machismo e da opressão gerada por ele, é natural como respirar, que temos que andar cobertas, com a cara enterrada no chão, travar as pernas, usar sutiã, calcular os passos, não estar sozinha à noite. É natural como respirar achar que somos mulheres e temos culpa desde o princípio.
Hoje, curo-me da proteção que criei, ao me conformar como feia. Essa proteção trouxe algumas feridas, diferentes daquelas que quis me proteger. O tempo fez ver que a violência está colocada para as feias, as bonitas, as vestidas, as despidas. Está colocada e só mudará quando deixarmos de entendê-la como natural.
Esse texto foi gerado porque ontem, enquanto caminhava na rua, um homem virou-se inteiro para uma jovem, uma estudante de uns 18 anos e comentou como o rabo dela era gostoso. E isso me deu nojo. E queria ter mandado ele se respeitar. Era uma menina, que como eu fui, agilizou o passo. Tentou ser rápida e passar despercebida, diante do seu constrangimento. E é nosso constrangimento que alimenta a opressão das ruas.