domingo, 19 de agosto de 2012

Maquiagens, encontros e experiência.


Ontem fiz uma experiência que estava há um tempo querendo: brincar com a maquiagem e as possibilidades de comunhão que ela traz. Mas ao mesmo tempo, com os travestimentos, com as potencializações e a atmosfera que se estabelece em torno do ato de maquiar-se.
Cada vez mais, ao contrário de tudo que acreditei na vida, tornei-me um voraz consumidora de maquiagem. Hoje leio, compro, vendo, pesquiso. Saio de cara lavada por pura preguiça, mas sei na própria pele, o poder poderoso de estar maquiada e como a sua diversidade pode ampliar nossa beleza - não embusti-la. E na minha pesquisa clariciana de mestrado, o tema surge com toda força: a máscara, o mascaramento, os rituais próprios do feminino, o atavismo.
Quis artísticamente sentir como seria estar com esse aparato a minha volta e deixar acontecer. E aconteceu uma experiência sensível ao meu ver e extremamente sutil. A princípio, a expectativa do acontecimento. Uma mulher vestida para festa, no meio de uma festa/evento, se maqueia. Com um grande número de opções de maquiagem, batons, máscaras, cores de sombra, estojos, antissinais. O espelho. Em volta, as pessoas esperam que aconteçam algo e até falam que aquilo ali seria um making off. Logo entendem que não há making off de nada, é simplesmente maquear-se.
Dali a pouco, uma menina chega. Muito pequena, quatro anos no máximo. E diante de tantas cores e coisas, o inevitável encantamento: ela não sabe o que pegar, mas vai pegando, descobrindo e passando. A mãe preocupada com sua pele infantil, mas também desejando experimentar, perguntando a funcionalidade de cada coisa. E a menina fascinada passa todos batons que pode, um sobre o outro. Habilidosa. Diante do espelho o contentamento: sou uma mulher - que não é dito nas palavras, mas no suspiro, seguido do sorriso.
Pego um pouco de creme para mãos, passo-lhe na palma. Peço que espalhe. E ela espalha e cheira, cheira, cheira...contente sorri e sai com a mãe, cheirando suas mãos.
Logo, uma mulher chega. Esta muito alfabetizada nos truques e artefatos da maquiagem. Conhecedora das marcas, melhores lançamentos, especificidades dos pinceis, funcionalidades de cada produto. Ela estava absolutamente à vontade, tanto quanto a menina, mas sem a dúvida de para onde ir, mas sim, com a certeza de quem conhece e sabe o que quer. Com ela aprendi nome de produtos que desconhecia e que em breve precisarei adquiri-los.
Então, chega uma amiga que não sabe exatamente para que serve cada um daquele mundo de coisas. Ela se senta e vai experimentando. Querendo combinar tudo com seu laço de fita. Para ela, posso ler algumas coisas. E rimos. E nos maquiamos cada uma, ao seu modo. Tão logo chega outra. Essa pede que lhe maqueie, pois tem menos ainda o hábito. E vamos conversando, pensando no sentido da maquiagem. No travestimento, no embuste, mas também nesse ato atávico, ancestral que nos une, mulheres. Daqui a pouco comenta outra, que tem a prática há anos e não sai sem esses cuidados. E que domina a habilidade de estar maqueada, sem parecê-lo. Tantos níveis, tantos usos. E estou ainda descobrindo. Mas admirando a cumplicidade que se cria. Rimos todas, nos abraçamos.
Chega mais uma. "Quero me maquear". E peço permissão para brincar com seus cabelos e vou desenhando seu rosto. Ela se entrega. E procuro fazer uma maquiagem que não a fira, mas especialmente, ascenda sua beleza. E percebo a mesma sensação que tinha quando pintava uma tela, mas escutava o que ela tinha a me dizer. Surge um homem. "Pinta meus olhos, mas só um pouquinho, com lápis". Pego um lápis verde e delineio. Ele sorri.
Mais outro homem. E uma amiga que folheia os livros, experimenta lê-los. Quase tudo era Clarice Lispector, mas também Foucault e a obra da minha orientadora Cássia Lopes, sobre Gilberto Gil. Lemos um trecho sobre o corpo, as identidades, os travestimentos e inevitavelmente, ao maquear um homem barbudo, de Euclides da Cunha e canceriano, nos sentimos todos meio tropicalistas. Faço um imenso olho verde, muito brilhante, muito vivo. Uma boca rosa clara, quase invisível sob sua barba farta. Nos abraçamos. E ele lê para que maqueie mais outra amiga: "Quero ser Amy Winehouse". Lemos Clarice e reconhecemos a soberba alegria de ser mulher. Minha irmã vai orientando o desenho do olho e logo a parece a marca da cantora. Fazemos um penteado de forma improvisada. Dali brotam fotos e o contentamento do fantasiar, sendo outra.
Maqueio minha irmã. Com muito carinho e afeto e penso quebrar o ar flor que tem nela, mas fazer exalar mais seu perfume. Exacerbo os tons esverdeados do seus olhos e imponho uma boca cor de vinho. E ela se espanta...fica num pequeno choque, vendo aquela maquiagem tão brilhante, quebrando seu ar de menina, mas apontando a mulher que ela já pode ser. E esse espanto não dura muito tempo, porque chega outra criança adorável, mas muito decidida. Ela estava no outro andar e pediu que a levassem ao meu encontro, queria maquear-se. E ela prefere fazer tudo sozinha, escolhe as cores. E pede que a amiga que a traz, pinte-se também. Peço autorização para pintar a amiga. E ela deixa e confere tudo atenta. Concorda que está tudo a seu contento.
Com ela encerro minha experiência. Guardo os badulaques. Finalizo minha maquiagem e vou conferir o que sobrou da festa, que a essas alturas, já acabara.


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