Para além das minhas sentimentalidades e poesia ruim. Um lugar de compartilhamento de percepções, em prosa clara – em tentativa. Crônicas e comentários sobre esse meu lugar de fala de mulher negra, feminista, artista, cínica e aguda. Quero fazer aqui pontuações sobre observações extraídas do cotidiano. Com ou sem poesia. Mas nada impede, que em paralelo, a Mônica sentimentalista, que escreve sobre seu umbigo dolorido, se manifeste na lírica. Convivemos todas.
domingo, 7 de setembro de 2014
Flor das horas presentes
Há dias à flor da pele sem saber ao certo. Porque, por vezes, a pele em flor não é espinho, rusga, rasgo. À flor da pele pode ser também percepção das coisas, dos aromas, do vento frio, das texturas quentes, da audição que se aguça. Ando à flor da pele, puro riso. Noto as rachaduras na perna, percebo os engasgos, mas tudo é de atenção - o presente é nestas horas. Estou nele, cheirando a verbena e rosa. Com hálito de chocolate e desejando o mundo. Logo os jasmins florescem nas janelas e o futuro não se faz susto. Porque das poucas vezes na vida, estou no presente.
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Isso me lembrou um trecho do Lobo da Estepe:
ResponderExcluir"Mas, graças a Deus, havia também exceções, havia também, às vezes, pelo menos horas que me traziam grandes comoções, grandes dádivas, que me transportavam a mim, o extraviado, de volta ao vivo coração do mundo. Triste, embora excitado intimamente, procurei lembrar-me do último acontecimento dessa natureza. Fora um concerto; executavam música antiga e excelente, e então, entre dois compassos do piano, abriu-se para mim a porta do além, atravessei o céu e vi Deus em seu trabalho, sofri dores bem-aventuradas, deixei tombar minhas defesas e passei a não temer mais nada no mundo, a assentir a tudo e a tudo entreguei meu coração. Não durou muito, talvez um quarto de hora; mas, de novo, me voltou aquela sensação em sonhos, e desde então, através dos dias tristes, consigo captar um reflexo dela de quando em vez, ora claramente, por um instante, como dourada mancha divina caminhando através de minha vida, quase sempre impregnada de pó e de lodo, ora voltando a brilhar de súbito com raios de ouro, dando-me a impressão de que jamais a perderia, para logo ocultar-se de repente. Uma noite aconteceu que, estando insone, comecei a declamar versos, versos muito mais belos e estranhos do que jamais teria sonhado escrever, versos que de manhã já havia esquecido, mas que permaneciam ocultos dentro de mim como um duro cerne sob a casca quebradiça. Outra vez, ocorreu-me isto com a leitura de um poeta, ou meditando um pensamento de Descartes, de Pascal; e numa outra, vi brilhar de novo a trilha dourada, que conduzia ao céu, quando me encontrava na presença de minha amada. Ah, é difícil achar esse trilho de Deus em meio à vida que levamos, na embrutecida monotonia de uma era de cegueira espiritual, com sua arquitetura, seus negócios, sua política e seus homens!"