Quando era criança, evitava olhar no espelho. Não concordava muito que eu era a pessoa que o espelho me mostrava. Permaneci assim por longo tempo. Lembro que queria saber como era meu cabelo solto. Nunca soube. Porque primeiro ele vivia com tranças,depois solto alisado à ferro, às químicas todas, curto, com tranças de fibra e agora, curto de novo.
Lá pelos 11 anos comecei a perceber que era magra demais. Até os 18 anos não usei blusa sem mangas, porque achava meus braços finos demais e me achava uma garota somaliana no espelho.
Nova luta com os cabelos. Queda, quebra, amarrações. Anos até a libertação e a aceitação de sua textura, do seu ritmo, do seu modo de ser.
Comecei a olhar para o espelho, mas quase sempre achar que não tinha muito jeito. E embora não me sentisse feia, me sentia invisível, indesejável. Lá pelas tantas, a afirmação como mulher negra, mas também o sentimento de que há muito pouca intenção de amor para mulheres negras e a postura derrotista,
Agora a nova armadilha é a passagem do número 38 para o 40. Dietas, academia, inanição. Roupas que já não cabem e a nova inadequação: me sinto gorda.
Hoje, aos 28 minutos do dia 22 de setembro, gostaria de levantar a bandeira do cansaço: cansei de lutar contra mim e aceitar passivamente o mundo que diz que gente como eu está errada. Cansei de negar toda a ancestralidade inscrita nos nossos corpos: quadril largos, seios não tão fartos, nariz chato, cabelos volumosos. Somos tantas assim. E porque querer vestir na marra um padrão inalcançável? Por que fazer do espelho o ditador do nosso direito de ser feliz?
Me liberte, espelho.
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