Crédito: Priscila Fulô |
Há um tempo me inquietava a forma como a mulher negra é
(quando chega a ser representada) nos produtos dramatúrgicos brasileiros. A negligência,
o estereótipo, a falta de ousadia, a invisibilidade e a mesmice me incomodaram de
formal que isso me demandou atenção de forma tal, que fui acumulando leituras e
inclinando-me na direção de fazer disso minha pesquisa de doutorado.
Até o dia que percebi que faria uma tese para identificar o
identificado: a mulher negra ainda é longe de ser representada no Brasil. Para além
de ser a amorosa babá, a fogosa empregada, a ama de leite eterna e sem família,
ou a amiga inteligente e bem vestida da mocinha branca da história, não há
muito mais espaço proposto na nossa teledramaturgia. Depois de muito vociferar,
bufar, rascunhar e protestar nas mesas de bar, devo confessar que essa
representação vem me desinteressando. Causou-me desinteresse perceber que não
há nada de novo e o obvio ululante não me moveria para lugar algum. Até aceitei,
o desagradável comentário do avaliador da banca de seleção de doutorado: “sua
pesquisa é irrelevante”. Naquele momento me soou machista, racista e muito
antipática a avaliação daquele senhor. Hoje, deslocada no tempo, percebo que minha
pesquisa seria realmente irrelevante, porque em dez anos de conquistas sociais,
pouco avançou na representação do negro do Brasil (embora haja espaços sim de
conquistas e momentos de rara oxigenação).
Até o momento em que a ficha me caiu: nada vai mudar
enquanto o negro, mais especificamente, a mulher negra for autora. Enquanto meninos
crescidos em prédios da zona sul do Rio de Janeiro, que só frequentam o nordeste nas férias de verão, o
Norte quase nunca e só tem como referência de mulheres negras as suas
respectivas empregadas domésticas, cuja vida é desumanizada e superficializada,
nada vai mudar em termos de representação.
Há poucos dias terminei a leitura de “Americanah”, da autora
nigeriana Chimamanda Ngozi Adiiche. E página a página surpreendi-me com a extrema identificação estabelecida entre
mim e a personagem Ifemelu. Identificação que me lembrou o meu primeiro contato
com Loreley, personagem que me rendeu um solo tealtra, uma pesquisa de Mestrado
e um looongo envolvimento com Clarice Lispector. Contudo, devo dizer que agora
o espelhamento produzido com essa autora e personagem foi mais estreito, mais
biográfico por assim dizer. Essa mulher negra empoderada, comunicadora, que transita
num mundo acadêmico e político, onde as discussões sobre o racismo pululam, mas
também a sua expressão velada, pareceu-me tão próximo, que estou aqui. Falando
dele.
Assim, compartilho aqui minha mudança de projeto de
pesquisa. Não me interessa mais saber como Miguel Falabella tenta representar
mulheres negras. Por que Avenida Brasil faz uma incrível periferia carioca de
jogadores de futebol e cabelereiras sem negros e negras. Me interessa saber os
mecanismos usados por mulheres negras para se representar. Conhecer dramaturgas
e diretoras negras que Brasil a fora, criam seus próprios textos, personagens e
falam para os seus e não seus.
Muda cacique.
Adorei! Vou te seguir. Comecei a escrever agora também! Sou aluna do curso de Letras! Meu blog é http://www.blogcordepele.blogspot.com.br/
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