quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Representar para ser representada

Crédito: Priscila Fulô


Há um tempo me inquietava a forma como a mulher negra é (quando chega a ser representada) nos produtos dramatúrgicos brasileiros. A negligência, o estereótipo, a falta de ousadia, a invisibilidade e a mesmice me incomodaram de formal que isso me demandou atenção de forma tal, que fui acumulando leituras e inclinando-me na direção de fazer disso minha pesquisa de doutorado.

Até o dia que percebi que faria uma tese para identificar o identificado: a mulher negra ainda é longe de ser representada no Brasil. Para além de ser a amorosa babá, a fogosa empregada, a ama de leite eterna e sem família, ou a amiga inteligente e bem vestida da mocinha branca da história, não há muito mais espaço proposto na nossa teledramaturgia. Depois de muito vociferar, bufar, rascunhar e protestar nas mesas de bar, devo confessar que essa representação vem me desinteressando. Causou-me desinteresse perceber que não há nada de novo e o obvio ululante não me moveria para lugar algum. Até aceitei, o desagradável comentário do avaliador da banca de seleção de doutorado: “sua pesquisa é irrelevante”. Naquele momento me soou machista, racista e muito antipática a avaliação daquele senhor. Hoje, deslocada no tempo, percebo que minha pesquisa seria realmente irrelevante, porque em dez anos de conquistas sociais, pouco avançou na representação do negro do Brasil (embora haja espaços sim de conquistas e momentos de rara oxigenação).

Até o momento em que a ficha me caiu: nada vai mudar enquanto o negro, mais especificamente, a mulher negra for autora. Enquanto meninos crescidos em prédios da zona sul do Rio de Janeiro, que só  frequentam o nordeste nas férias de verão, o Norte quase nunca e só tem como referência de mulheres negras as suas respectivas empregadas domésticas, cuja vida é desumanizada e superficializada, nada vai mudar em termos de representação.

Há poucos dias terminei a leitura de “Americanah”, da autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adiiche. E página a página surpreendi-me com  a extrema identificação estabelecida entre mim e a personagem Ifemelu. Identificação que me lembrou o meu primeiro contato com Loreley, personagem que me rendeu um solo tealtra, uma pesquisa de Mestrado e um looongo envolvimento com Clarice Lispector. Contudo, devo dizer que agora o espelhamento produzido com essa autora e personagem foi mais estreito, mais biográfico por assim dizer. Essa mulher negra empoderada, comunicadora, que transita num mundo acadêmico e político, onde as discussões sobre o racismo pululam, mas também a sua expressão velada, pareceu-me tão próximo, que estou aqui. Falando dele.

Assim, compartilho aqui minha mudança de projeto de pesquisa. Não me interessa mais saber como Miguel Falabella tenta representar mulheres negras. Por que Avenida Brasil faz uma incrível periferia carioca de jogadores de futebol e cabelereiras sem negros e negras. Me interessa saber os mecanismos usados por mulheres negras para se representar. Conhecer dramaturgas e diretoras negras que Brasil a fora, criam seus próprios textos, personagens e falam para os seus e não seus.

Muda cacique. 

Um comentário:

  1. Adorei! Vou te seguir. Comecei a escrever agora também! Sou aluna do curso de Letras! Meu blog é http://www.blogcordepele.blogspot.com.br/

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