quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Da presença do que falta

Com a agenda atribulada, reconheço: luto contra as ausências. Luto contra a falta do que sentir. O que fazer excede aos braços. Mas onde repousar minhas horas vagas, carecendo de devaneio, não há regaço. As ausências se adormecem na lista de tarefas, silentes. A ausência me consola, pois já nao lembro daquilo que poderia ser presença. A ausência nina meu sono. Ms coloca paRa sonhar, mas nem no sonho confio, pois sei que debaixo de qualquer meneio de estar, há a adversativa que nega e faz perene a falta. E a ausência vira pedra e me ancora no fundo do mar, peixe denso de águas profundas.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Meninos da minha rua

Storyline I
Menina cresce. Padrasto nota e deseja. Rua fala. Ela engravida. Eles se amam. A mãe silencia, finge que não vê e em pleno século XX, morre de tuberculose. Ele também. A filha  cuida dos filhos dele com sua mãe, dele com ela.

Storyline II
O menino mais bonito da rua foi o primeiro a ser pai. Negro azeviche, emprenhou menina branca. Ficou forte, puxou ferro. Ficou menos bonito deformado para ser segurança. O menino mais bonito da rua se engraçava com todas. Morreu na Ladeira da Praça, jogando dominó numa madrugada de dia comum. Mataram. Não se sabe porquê. Sua mãe não foi mais a mesma, embora tivesse seis filhos, já não podia fazer outro tão bonito como aquele.

Storyline III
Pai deixou o filho com a amante. A amante criou o filho como se fosse seu. Jorge era perverso. Batia nos bichos, nas crianças, desrespeitava as idosas. No ar, a promessa: esse menino tem instinto ruim. Antes dos 20, Jorge morreu. O instinto ruim virou crack, fez roubar senhoras, levou-lhe para cadeia, consumiu sua vida, antes de virar homem.

Storyline IV
No número 1 só moravam velhinhas. Dona Nedi, Dona Maria, Dona Alzira, mãe de Jorge (o que morreu cedo). Dona Nedi morava no último andar, namorava um mecânico mais jovem, que lhe dava alegrias no horário do meio dia. Colocava as caixas de som na janela, vendia refrigerantes e cervejas que passava pela cesta. Dona Maria espichava cabelos a ferro e rezava doentes, vivia só e parecia uma índia. Dona Alzira era gorda, tinha um pastor alemão, um amante policial e cuidava do enteado que lhe fora confiado e que a vida/natureza(?) estragou.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Longo diálogo mental (III)

Não sei lidar bem com a passagem do tempo. Sei que estou melhor agora do que há dez anos atrás. Mas o tempo me açoita dia e noite. O tempo me diz que ele já está acabando e que preciso ser rápida se quiser ainda fazer o que não fiz. E não fiz muita coisa. Não porque eu sou preguiçosa, burra ou incapaz. Mas porque o que é fácil para um, é um monte intransponível de dificuldades para o outro. É fácil para muitas ter cinco amantes simultâneos. Para mim, é mais fácil trabalhar em três assuntos diferentes e escrever uma dissertação ao mesmo tempo. O amor para mim é uma dificuldade e seus trâmites são um mistério. A paquera é algo que não compreendo e não sei fazer. O tempo passou e não fui alfabetizada no vocabulário afetivo e enfim, temo que não possa viver aquilo que qualquer garota de 13 anos viveu. Ainda não sei nadar, não escalei montanhas, não fui amada e não sei andar de bicicleta. Sou fútil, carente, falo besteiras e tenho mais vestidos que eventos para ir. Nunca fui à Europa, nem pari a menina que sempre quis ter. Temo o tempo, as celulites, a esclerose múltipla. Temo a solidão que conheço bem - porque sempre sonhei, pelo menos por uma estação inteira ter companhia e receber flores. Quero tanta coisa e me esforço para fazer, para resolver. Tentei nadar, mas ainda preciso de uma mão carinhosa segurando a minha. Tenho 34 anos e não queria, não sem ter nunca sido esperada por alguém, nem sem ter vivido o verão que eu sempre ouvi falar e não tenho ideia como viver. Sou ainda uma menina que sonha ouvindo musicas românticas nas FMs. Mas o tempo me diz que já sou uma mulher madura, de meia idade e que a juventude já está indo embora. E eu não queria ter mais medo. Nem queria não saber como é doce o amor.

Longo Diálogo Mental (II)

A alegria é uma potência de mudança. É uma possibilidade de trampolim, apesar de todas as dores e irrefutável crueldade da vida. A alegria é revolucionária. Mas a alegria não  pode ser desculpa para superficialidade. Não pode ser miopia, nem indisposição para ver o mundo. A alegria não pode ser uma ditadura. Não quero encomendar sorrisos engarrafados. Nem fazer da gargalhada a única máscara viável do meu rosto.  Quero todas as nervuras e expressões que minha face pode ganhar. Quero o direito ao humor, mas também ao mal humor, a melancolia que me visita quando em vez. Quero o direito a todas as cores: a estridência do amarelo, a austeridade do roxo. Quero o direito a ser várias: alegre, boba, triste, entediada, entusiasmada. Duvido muito de quem tem só uma expressão e distribui lições de vida, comportamento e felicidade por minutos. E então, amigos e amigas, não me engarrafem, nem me leiam como se eu fosse uma coisa só ou precisasse dessa lição de alegria magnifica que você tem a dar. Por favor, poupem-me de me sentir um frasco de tinta, quando posso ser a palheta Pantone.

Longo diálogo mental (I)

I

Sim, Salvador está num período de profunda decadência. Não sei se está, ou sempre esteve. Estamos há quatro séculos de decadência, desde que o açúcar deixou de ser fonte de riqueza de toda região nordeste. Desde que deixamos de ser capital do Brasil. E se o baiano deixasse de se comparar com o carioca, ou achar que deveríamos ser como São Paulo, veria que quase todas as capitais do Nordeste e Norte são igualmente decadentes. Que a noite de todas as capitais brasileiras é bem menos movimentada que a nossa. Que as pessoas usinam em postes de forma indiscriminada. E que o trânsito é um horror. Eu sei, Salvador está difícil, pra mim também e dizer que a Bahia é linda não resolve nada. Mas também dizer por minuto que Salvador fechou resolve menos ainda. O mundo é uma grande província, com exceção das grandes capitais dos países, especialmente os da Europa que se tornaram bem grandes graças a exploração de continentes inteiros. Assim, poupem-me de comparar Salvador com qualquer capital européia - fomos colônia espoliada, roubada, nao explorador. Não fomos nós os divisores do roubo, mas o roubado. Poupem-me de ouvir que Porto Alegre tem gente bonita e até o gari é gato, em comparação a essa, que é a cidade mais negra fora da África. Se você que reclama por minuto não tem um projeto de mudança e de amor a essa cidade, faça um favor a você e a mim: a Itacimirim  tem na rodoviária ônibus saindo de hora em hora para o Sul Maravilha e apesar da alta das passagens aéreas, o cartão Gol parcela bilhetes em 36 vezes. Quem ficar aqui, nessa terra, no Nordeste, terceiro mundo sim, mas lugar de resistência e força que seja para lutar, pra fazer diferença. Reclamar, mas operar mudanças no raio onde atua.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Espelho de Clarice

Olhando para ela eu me reconheço numa versão dilatada. Ela me diz que é imperioso retirar as muitas camadas de cal que travestem o esquecimento que me forjo. E espelhada em suas linhas reconheço a mulher inquieta, aguda, áspera, medrosa e excessivamente carente. Somos interrogação marcada à ferraduras nas solas dos pés. Sobre nosso ombro direito pesa o mundo, oprimindo a musculatura, inflamando a carne. A dor daquilo que não pudemos mudar e daqueles que não pudemos salvar nos causam cólicas uterinas lancinantes. E silenciosamente a alma grita e para não morrer, jorramos palavra. Eu na minha mediocridade, você, em seu tempo, na sua genial e cruel abundância. E o mundo é cruel e desesperadamente buscamos a alegria apesar de.

Apologia do Não Saber

Cansaço de ter que ser inteligente. De saber porquê e ter que explicar, argumentar, contra-argumentar, definir, conceituar, questionar, ponderar, negar. Vontade de só responder: não sei. Porque nem sempre sei porquê, e se sei, nem sempre quero dizer. Explicar a tudo fatiga...fatiga tanto. E realmente, duvido que saiba tanto assim.
Cansaço de ser consistente. De pessoas permanentemente consistentes e profundas, que arrotam conhecimento. Cansaço de Deleuze, Nietszche e das bandeiras contra metafísica. Quero o colo de Deus, sua confiança e seus afagos. Quero pensar que tem alguém cuidando de mim, me protegendo. Quero, quero, quero Deus. Essa solidão da liberdade no meio da opressão do que não posso mudar me constrange. E a metafísica me consola porque sou mística, porque nada me faz mais feliz que um banho de arruda e o cheiro do manjericão.
Cansada de comida saudável. De boa música. Do que é "bom". Cansada, cansada, cansada mesmo da moça de óculos que inventei e dessa lua fatigante em Virgem. De ser crítica, auto-crítica e permanentemente insatisfeita.

A seca

A crueza da seca finalmente atingiu meus olhos com sua contundência radical. O cinzento das pastagens, o rio que não flui, a poeira que engasga o ar, a pele que emudece seu próprio suor. O verde esmaecido luta para ser bandeira, mas não consegue e pede "piedade, piedade, azul do céu sem fim". E engrosso o coro dos cipós retorcidos: "chuva, mulher espirituosa, faz misericórdia, cai sobre nós, enxarca a terra e promete-nos abundância". Ela fecha seus ouvidos, se faz de surda e segue sangrando os pés.
Nada mais triste que a negação da chuva, da umidade, do fluxo. A negação do rio - que não corre, que se evapora. O tempo parado pela poeira que sufoca. A terra e os pés cortados. A lágrima que não cai. A sede silenciosa e seca.

Dos azuis e do que os olhos não vêem

Ao cruzar de volta os morros azuis, inevitáveis saudades: aquele lugar me aponta um espelho d'água tão nítido, cujo movimento me desperta e desponta. Se de dia converso com as plantas e flores, me perco entre as rosas e sempre-vivas, bebo do suco doce da manga e da nudez nas águas do rio, de noite entonteço ante a escuridão, que me revela estrelas que não conheço, lança luz sobre a moça triste e acabrunhada - que a todo modo, tento ignorar a existência. Diante das lagoas escuras, cujo fundo não enxergo, a força incógnita das águas que não me revelam o que guardam ao fundo. A completa ignorância em torno da vontade dos homens. E diante daquilo que desconheço, a paralisia e a melancolia do medo. Nesse lugar sou a que sou: sensível, frágil, temente da noite, do desconhecido. Sou gentil, gosto do dia, amante da beleza e curiosa do profundo. Imaginativa e receptiva, mas medrosa e assustada. Aceito a bruxa que vive sob meus olhos. Aceito a minha missão de a tudo sentir muito. Aceito que o céu indiscutivelmente azul e o  vermelho gritante da estrada me sussurre aos ouvidos que não há ilusões. E que já não é tempo de Maya.