quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Do tempo

E admiro o tempo. De repente ele pousa sobre minhas mãos, sem fugir célere. Simplesmente preparo o jantar, o almoço do dia seguinte. Respiro fundo. E ele ainda está nas minhas mãos. Desenho uma página. Desenho outra. Faço um verso. Ainda tenho ele nas minhas mãos. Não sei o que fazer com a sua presença, com a sua graça dizendo "você me tem agora". Acendo uma vela. Fico de ponta cabeça. Leio um livro. Leio outro livro. Escrevo. Converso. E ele está ali. Até abrir a gaveta e ver que a conta venceu, faz três horas. E o tempo passou. E eu não vi. E já não o tenho. Ele me seduziu e escapou por entre os dedos.

domingo, 2 de dezembro de 2012

As horas

Há o tempo as horas desajeitadas. De um vazio estranho e não se saber direito o que viver. Paro, pego uma xícara de chá e espero: as horas. Só sorvê-las. Movendo pouco. Quando as horas são puro açoite, puro algoz, é bom vê-las passando preguiçosas. Pensando o mínimo possível, respondendo apenas as demandas da sede, fome, suspiro. E nesses momentos aquilo que não é preenchido emerge, ora dói um pouco, ora não se faz sentir, só um sorriso. E pelo menos por algumas poucas horas permito a graça de nada fazer, nada querer, nada ser útil.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Nariz

Eu tinha uns oito anos e minha mãe me levou para ver meu pai, na oficina mecânica dele. Não gostava de ir lá. Além de achar meu pai meio chato, a oficina era bastante suja, com um monte de geladeiras empilhadas, empoeiradas, sujas de graxa e tinha uns posters clássicos de mulheres nuas na parede. Não, eu não gostava daquele lugar e passar por ele foi o meu tormento até os 20 anos de idade.
Numa dessas vezes, meu pai deu uma das poucas orientações na vida. Mas ele deu uma das mais perturbadoras. Meu pai é um homem negro, sem traços de mistura. Nariz largo como a maioria de nós. Assim, ainda garota, ele sugeriu que todas as manhãs eu fosse até o espelho e apertasse as narinas, para não ficar igual a ele. Não, eu não achava o nariz do meu pai bonito (até porque ele ficou meio bagunçado por um acidente numa partida de futebol). Assim, a ideia de ficar com a cara igual a dele não me agradava nem um pouco.
Todas as manhãs, ia para o único espelho existente na minha casa e apertava, apertava, apertava o nariz, pedindo para que ele ficasse um pouco mais estreito. Só um pouco. Ritual que se repetiu até os 13, 14 anos. Obviamente sem grandes sucessos - que bom.
Não, na minha casa e na minha infância não havia nenhum fiapo de orgulho ou consciência racial. Ninguém se afirmava negro. Mas tinha um discurso geral de quem escapa de branco, preto é. A palavra escapa me trazia certo incômodo: por que escapa? Cedo aprendi que meu cabelo era ruim. Aprendi que as meninas brancas (ou que pareciam brancas) eram bonitas e eu poderia ser no máximo inteligente (título que me dediquei a manter e me dedico cotidianamente. Aprendi que tinha que dar ferro nos cabelos, ainda que queimassem meu coro cabeludo e que seria casar com alguém branco para limpar a barriga.
Na adolescência todos os meninos negros da sala atormentavam o menino negro de tez mais escura, chamado "cores neutras". Os avermelhados e achocolatados não se reconheciam nele e ficavam bem à vontade para deixa-lo sempre à margem. Eu estranhava tudo aquilo, porque não via diferença entre eles, entre mim. Mas era covarde o suficiente para permanecer calada.
Eu sabia quem eu era, de onde vinha, mas sentia que não podia falar. Nem tinha estímulo. Na primeira vez que com 20 anos falei, "eu sou negra" fui questionada. Era óbvio que eu não era. Que eu era morena, parda,  sarara, qualquer coisa parecida com isso. E eu me achava frágil e fraca de mais para ser negra. Mas passei a insistir. E a insistir, até que deixaram de negar, até que eu perdi a vergonha. Até que aceitei e passei a cultivar alegria, orgulho. E agora sinto que não poderia ser outra coisa e essas dificuldades fazem parte de mim. E agradeço pelo caminho não ter sido fácil.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

De Esperança

Antes de mim mesma, corro para ver minhas plantas. Tornei-me uma moça dedicada a cuidar de uma pequena horta, bem como de um conjunto de vegetais intrusos, que brotaram na minha terra e como sou vira-lata, gosto do inusitado. As plantas intrusas dão pequenas flores e quando chega a noite, ficam alvoraçadas, exalam perfume. Vou deixando que elas fiquem...elas me causam surpresa.
A certeza da minha vitória como plantadora de hortaliças se deu quando o pé de alface vingou - despeito de olhos que achavam que minha horta era toda de equívocos. Ele vingou e posso dizer - só e o comi - que suas folhas são as mais saborosas que já provei. De um verde forte, o sabor amargo, forte forte. O alface é a minha conquista nova: cuidadora.
Antes do meu desjejum, visito minha horta e meio boba, desejo-lhes bom dia. Cato alguma sobra de borra de café e distribuo por entre as terras. Vejo se alguém comeu ovos, quebro a casca e faço a distribuição. O fato foi que a rúcula gostou disso e garantiu folhas bem saborosas. Contudo, uma parte dela parece sofrer de alguma praga...meio esbranquiçada...sei pouco o que fazer. Provei da rúcula...mas sem o mesmo entusiasmo que o alface - a rúcula quer algo de mim, mas não sei o que.
Tentativas frustradas de plantar manjericão. O manjericão é o meu fracasso. Já comprei sementes, já adquiri mudas de amigas, já fiz tentativas de deixa-lo na água, para ver se vinga...nada deu muito certo. Será minha energia meio bagunçada e faz murchar o manjericão? Será que ele quer mais sol? Será que ele quer menos sol? Qual é o problema que o manjericão não resiste a minha presença?
Os tomates são uma promessa: todos os dias eles prometem que virão...mas ainda não vieram. As plantas são garbosas e as maiores da horta...cada dia mais altas e intrincadas...Talvez precise dar suporte para que possam verticalizar-se...no dia que der o primeiro tomate...nem sei...serei mãe boba...chamarei os amigos. Darei uma festa.
Hoje plantei mais sementes de alface, rúcula e calêndula. Também já tenho brotos de coentro e pimenta: mais promessas. Entendo agora porque verde é esperança, é esse carinho nutrido na fé de que virá algo. E quando vem...você sorri e se alimenta. Gosto de ser essa moça que planta suas esperanças e as prova com azeite doce. Ainda sob críticas, cultivo o inesperado...essa semente de sálvia que deu outra coisa...que até hoje não sei quem é...mas só sei que é bonita e procura os céus.
Quem diria que um dia eu gostaria tanto de plantas...

domingo, 28 de outubro de 2012

Borboletas e Peixes

Contei do sonho: as borboletas decidiam deixar de ser borboletas e resguardar-se no mundo dos peixes. Lá mais tranquilas, longe das arbitrariedades do mundo - das mãos curiosas das crianças, da crueldade tosca dos caçadores, das matas sem folhagens. Elas resolviam ser peixes. E deixar pro fundo do mar o mundo do se movimento e colorido.
Mas me indago: por que eu sonho que as borboletas não querem mais ser borboletas e fogem da opressão virando peixes? Sou eu borboleta? Sou eu peixe (fortes indícios).

Raiça e os arranha-céus


Dessemelhante

Cansada das palavras. Inabilidosa com ela para imprimir pensamentos/sentimentos, com a mínima impessoalidade que torna um texto interessante, eis que volto a desenhar. Não habilidosa ainda. Mas pelo menos, expressando - e nutrindo alegria pelo fato de simplesmente criar.

E eu?

Ás vezes quando escuto, na verdade, indago-me: "e disso tudo, e eu?". E eu que não fiz, que não pude, que não consegui, que até tentei, tentei, quis muito. Mas não deu...por mais desejo, sonho, palavras soltas na porta do guarda-roupas para mentalizar de manhã. Não deu...talvez não dê mesmo. Daí dou um sorriso. Confirmo minha escuta com a cabeça. Mas comigo não...ainda não foi possível. E as horas passam. Os anos também. Já é a metade do segundo tempo. A juventude se esvai. E o verde da esperança se esmaece. E eu:? Não sou a presunçosa egoísta. Mas e de tudo, é preciso haver um "e eu?". Eu sou a moça que tem em si a interrogação cravada no peito e que entulho caixas vazias para solapar a ausência.

...

Na vida repetiu-se o movimento daquela tarde. Era setembro, dia de aniversário de minha prima mais próxima e mais querida. Adorava minha prima, mas tinha uma coisa. Sabia que minha avó achava minha prima bonita e eu não. E isso me entristecia, queria também ser fofa. Mas não era...ou tudo levava a crer que não. Era 1984. Minha tia chegara contente com um disco de "Balão Mágico": Simony, Jairzinho, Mike e sei lá mais quem. Era o presente de minha prima. E do alto dos meus cinco anos, veio a pergunta: E eu? Eu não ganharia o disco do Balão Mágico? Eu não ouviria só para mim aquelas músicas. Então, me contentei em rir e dizer "que legal". E sei lá porque...essa cena é uma constante. Eu ainda espero o disco, o amor, a surpresa de uma palavra macia, me sentir a escolhida, o filho, a viagem para um país encantador, o salário justo pelo meu trabalho, o reconhecimento profissional, estar no topo da carreira. Eu ainda não.

sábado, 29 de setembro de 2012

Latência

Dias que no meio de uma gargalhada, a tristeza latente aponta e diz, "estou aqui e vou me deitar
Vou pousar sobre seus olhos e dormir dentro de sua boca.
Me encolher entre seus dedos e fazer de seu peito minha morada tranquila"
A tristeza se enroscou entre meus pés, embaraçou os fios dos meus cabelos.
Sentada olho o céu depois da chuva. Tomo meu café sem cafeína.
Rezo um terço para distrair a mente e esperar que eu me esqueça que sou uma moça profundamente triste.
Embora consiga acessar a alegria, quando ela me visita.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Misoginia que nos une

Embora todos, todos nasçam do nosso ventre, há em cantos do mundo, aqueles que não dirijam sua palavra a mulheres. Há os que acham nosso rosto imoral, cobrindo com véus, impedindo a mobilidade do nossos corpos com longos vestidos fechados e pesados. Há os que extirpam a capacidade das nossas vaginas sentirem prazer, mutilam e maculam para sempre nossos corpos. Há os que condenam nossos cabelos. Há ainda os que violam nossos corpos, transformando-nos em objetos. Do lado de cá há os que pensam que somos atrativo para vender cerveja e decorar cenário de programa humorístico. Há os que não nos querem amamentando em público, se nossos seios não forem como as das modelos da revista masculina. O medo tremendo que sentem de nós, imputa-lhes ódio. Ódio tremendo e nos ferem de toda forma, tolhem a liberdade de todo o jeito. E há os que perguntam por que lutar por direito? Não já foi tudo feito?

Em algumas tribos de países africanos em guerra, o estupro tornou-se um dado banal. Agravado pelo fato de que a mulher violada é considerada como amaldiçoada - não pode conviver na vila. Assim, a mulher não recebe assistência para seus ferimentos, tão pouco apoio e piedade frente à violência a que foi submetida. É deixada num canto, para que morra sozinha. E claro...essa morte não é rápida...é lenta...paciente. A mulher vai morrendo aos poucos, de fome, das complicações pelos ferimentos que não foram curados. 

A vila assiste tudo ao longe e não permite que ninguém se aproxime, nem lhe socorra.

Na Bahia, há continentes de distância, duas jovens foram violadas por um grupo misógeno de pagode. As jovens da brutalidade a que foram submetidas, foram execradas pela mídia e pela opinião pública, que as rotulou com nomes dos mais lastimáveis. De vítimas, como de costume, foram transformadas em algoz dos dez homens que as estupraram: a mulher deseja ser violada, ferida, rasgada, humilhada - é o raciocínio recorrente da humanidade. Os dez homens que feriram as moças foram motivo de manifestação de apoio: elas tiveram o que mereceram. Felizmente, a justiça parece ser um pouco mais sã e mantem os criminosos enjaulados. Mas as jovens mulheres ainda não tiveram devolvida sua liberdade, sua dignidade - diante da humilhação pública e da falta de solidariedade da sociedade e mídia, estão reclusas.

A diferença entre a população que ri e dança pagode em festa da Bahia, não se difere muito da tribo africana, que deixa as suas vítimas morrerem à míngua. 

E os homens querem ser anjo. Oprimem suas mulheres - que não são suas - em nome de Jesus, do profeta, do demônio ou o que o valha. Mas os anjos devem ser piores que os animais. Nenhum gato, leão, porco, cobra pratica canibalismo ou tem o hábito de exterminar quem lhes deu a vida. Se a linguagem nos torna diferente dos animais, a razão não nos tornou melhores.

sábado, 22 de setembro de 2012

Linhagem

Quero - ainda que por agora seja intelectualmente - fazer do meu corpo o manifesto da história dos vários povos que se juntaram para compor minha linhagem. Pelo menos até onde sei. Da índia avó de minha avó pega no mato. Do avô de minha avô que veio da Itália ganhar dinheiro por aqui. Dos nagôs todos que construíram as bases dessa terra. Do meu cabelo cheio cor de fibra do dendê. Do quadril largo de boa parideira que talvez eu possa ser. Da pele preta desbotada pelas misturas. Do nariz grande que meu pai mandava apertar todas as manhãs para eu afilar - mas ele foi mais resistente, não se deixou dobrar. No corpo estão gravadas as marcas de tanta gente, de invasão, exílio, diáspora, migração, mistura. Não quero perder de vista minha linhagem para ser o que não posso. Que o corpo seja a história, a sabedoria. Não mais a castração travestida de beleza.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Espelho, espelho meu

Quando era criança, evitava olhar no espelho. Não concordava muito que eu era a pessoa que o espelho me mostrava. Permaneci assim por longo tempo. Lembro que queria saber como era meu cabelo solto. Nunca soube. Porque primeiro ele vivia com tranças,depois solto alisado à ferro, às químicas todas, curto, com tranças de fibra e agora, curto de novo.
Lá pelos 11 anos comecei a perceber que era magra demais. Até os 18 anos não usei blusa sem mangas, porque achava meus braços finos demais e me achava uma garota somaliana no espelho.
Nova luta com os cabelos. Queda, quebra, amarrações. Anos até a libertação e a aceitação de sua textura, do seu ritmo, do seu modo de ser.
Comecei a olhar para o espelho, mas quase sempre achar que não tinha muito jeito. E embora não me sentisse feia, me sentia invisível, indesejável. Lá pelas tantas, a afirmação como mulher negra, mas também o sentimento de que há muito pouca intenção de amor para mulheres negras e a postura derrotista,
Agora a nova armadilha é a passagem do número 38 para o 40. Dietas, academia, inanição. Roupas que já não cabem e a nova inadequação: me sinto gorda.
Hoje, aos 28 minutos do dia 22 de setembro, gostaria de levantar a bandeira do cansaço: cansei de lutar contra mim e aceitar passivamente o mundo que diz que gente como eu está errada. Cansei de negar toda a ancestralidade inscrita nos nossos corpos: quadril largos, seios não tão fartos, nariz chato, cabelos volumosos. Somos tantas assim. E porque querer vestir na marra um padrão inalcançável? Por que fazer do espelho o ditador do nosso direito de ser feliz?
Me liberte, espelho.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Descerá de uma estrela brilhante

Por detrás do turbilhão do dia, das páginas, das laudas, das palavras, do silêncio, do algodões sujos de maquiagem, do colesterol alto - haverá amor? Haverá amor de amante antes que a vida se rompa e leve seu último sopro. Apesar dos atentados na Líbia, dos incêndios higienistas em São Paulo, da eleição de escroques à prefeitura dessa e de uma centena de outras cidades brasileiras, os olhos lacrimejam todas as noites, ante a luz incandescente da luminária: haverá amor? Haverá amor no peito de verdade? Haverá amor e haverá verdade? Haverá sentido para estarmos irremediavelmente sós, mesmo estando juntos. Irremediavelmente sós - mas em busca daquele outro. Que virá? Como um índio - foram mortos. Todos. Ou quase todos. Sobraram raros. Que virá como os filhos de Ganghy, que trocam colares por beijo - transmitem saliva, doença, vazio. Que virá como Dionisio - incendeie meu peito, mas não queime meus dedos. Virá algum amor - que tem que existir. Como o verde. Como o que sobra de esperança, que emerge entre a borra de café, no projeto de tomateiro, que cultivo, com amor - dou me amor imenso aos tomateiros. Todas as manhãs: entrego-lhe devota: sou mulher cheia de amor, te entrego tomate. Você que é vermelho e não me diz não. Não, ao lado dele, não cresce manjericão. Mas é verde. Cultivo. Com a esperança. Haverá.

Pai, pai, filho.

A Praça da Sé era bonita. Tinha muito verde e eu andava muito à vontade nela. Ia no riacho que ficava ali perto, banhar-me. Sabe-se lá, na beira do riacho, eis que porto no colo meu filho. Um menino forte, negro e sorridente. E carregava feliz meu menino nos braços - até esse momento, nunca sonhara em ter um filho menino, sempre chamei por uma menina, de cabelos cheios e olhos grandes, que nem eu, pra criar direito e com bem amor próprio. Meu pai me ligava e eu feliz falava com ele. Que estava com seu neto, que ele era forte, saudável e bonito. Que estava tudo bem e eu estava com meu menino no riacho da Praça da Sé. Meu pai ficava feliz e era meu amigo. Queria saber do pai do menino, se era alguém bom e se seria bom para criança. E eu dizia que não tinha problema, meu filho tinha a mim. Mas ali, logo na frente, deitado na pedra se banhando, o homem negro pai do meu filho. E eu desligara o telefone. Ia colocar meu filho no colo do pai. Queria pai pro meu filho. Queria meu filho feliz. E estava. O pai não era meu homem, mas eu o amava de amizade, de carinho - como amo esse homem que existe, mas que com o qual, não tenho filho algum. Ele era bom. Estava feliz com o menino. Eu banhava os dois. E depois ia embora, com meu menino no colo. Eu era feliz com os pais e o filho. Acordei carregando uma criança que não existia perto do meu peito. Peito suspirou.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Convocatória da Amizade

Nesse mundo em que somos tantas, tantas, tantas, muitas. Nossas força é minada e espezinhada, vendida embalada em latas coloridas. Faz-se urgente sentar-se juntas. Contar histórias. Fazer unguentos. Pentear os cabelos. Pôr águas mornas para os escaldapés. Não, não, é mais tempo para corridas - chega. Competir nunca nos levou a nada. E não, casamentos não vão nos libertar mais. E não seremos tão magras. Nem Miss Simpatia. Não seremos. Sejamos companhia e riso sem temor. Sob a lua cheia, sentir seus encantos. Cozinhar a luz de velas. Tomar os chás. É mais revolucionário sermos amigas e rompermos a obviedade de um mundo que nos quer competindo. É mais revolucionário se abraçar, que disputar o belo da moda - esses belos vão passar e vão seguir a vida no vazio de sugar vaginas, com liquidez e descartabilidade. Eles querem números. E não, não somos. Somos furia, paixão, gemido e muita muita amizade. Somos tanto mais, tanto mais compaixão juntas, que narizes tortos de despeito. Somos mais perigosas amigas, mulheres, que moças objeto em propagandas de cerveja. Que o perigo seja experenciar a amizade. A amizade, sim, essa é revolucionária. E que a beleza seja de contemplar, não de nos moldar. Amigas, pela revolução.

A borboleta e o peixe

Sonhei. E estupefata defrontei-me numa realidade nova.
As borboletas cansaram de ser borboletas. Do mundo. Do ar.
Deliberaram entre si que quando fizessem a metamorfose. Virariam peixe.
Seguras, iriam viver coloridas num fundo do mar, abundante de cores únicas.
E ao ouvir a notícia na tevê, parava tudo o que fazia: que graça terá o mundo sem borboletas?
De certo, um alívio pueril: embora goste de seus movimentos, não me alegra a sensação de ter borboletas pousadas em mim. Não pousem, por favor. Só voem.
Que graça teria o mundo sem  a sua rara leveza? Quase nada é leve.
Quase tudo afunda. Até vós, borboletas.
Não, não foi verdade.
As borboletas não viraram peixe.
Ainda há leveza. E esperança.

domingo, 19 de agosto de 2012

Feijão de domingo

Cozinhar tem um que alquimia. De encontro e oração. Oração da presença, só dela. Dos votos que a comida nutra, que faça sorrir e querer bem. Agrada-me terminar o serviço, sentar-me à mesa, ainda que sozinha e provar aquilo que preparei. Dá-me um contentamento...a satisfação de que transformei matéria em sabor. Grãos em prazer. E encontrei um jeito meu de preparar feijão. Cozinhar tem um tanto de poder. E a alegria irresistível de matar vontades.

Maquiagens, encontros e experiência.


Ontem fiz uma experiência que estava há um tempo querendo: brincar com a maquiagem e as possibilidades de comunhão que ela traz. Mas ao mesmo tempo, com os travestimentos, com as potencializações e a atmosfera que se estabelece em torno do ato de maquiar-se.
Cada vez mais, ao contrário de tudo que acreditei na vida, tornei-me um voraz consumidora de maquiagem. Hoje leio, compro, vendo, pesquiso. Saio de cara lavada por pura preguiça, mas sei na própria pele, o poder poderoso de estar maquiada e como a sua diversidade pode ampliar nossa beleza - não embusti-la. E na minha pesquisa clariciana de mestrado, o tema surge com toda força: a máscara, o mascaramento, os rituais próprios do feminino, o atavismo.
Quis artísticamente sentir como seria estar com esse aparato a minha volta e deixar acontecer. E aconteceu uma experiência sensível ao meu ver e extremamente sutil. A princípio, a expectativa do acontecimento. Uma mulher vestida para festa, no meio de uma festa/evento, se maqueia. Com um grande número de opções de maquiagem, batons, máscaras, cores de sombra, estojos, antissinais. O espelho. Em volta, as pessoas esperam que aconteçam algo e até falam que aquilo ali seria um making off. Logo entendem que não há making off de nada, é simplesmente maquear-se.
Dali a pouco, uma menina chega. Muito pequena, quatro anos no máximo. E diante de tantas cores e coisas, o inevitável encantamento: ela não sabe o que pegar, mas vai pegando, descobrindo e passando. A mãe preocupada com sua pele infantil, mas também desejando experimentar, perguntando a funcionalidade de cada coisa. E a menina fascinada passa todos batons que pode, um sobre o outro. Habilidosa. Diante do espelho o contentamento: sou uma mulher - que não é dito nas palavras, mas no suspiro, seguido do sorriso.
Pego um pouco de creme para mãos, passo-lhe na palma. Peço que espalhe. E ela espalha e cheira, cheira, cheira...contente sorri e sai com a mãe, cheirando suas mãos.
Logo, uma mulher chega. Esta muito alfabetizada nos truques e artefatos da maquiagem. Conhecedora das marcas, melhores lançamentos, especificidades dos pinceis, funcionalidades de cada produto. Ela estava absolutamente à vontade, tanto quanto a menina, mas sem a dúvida de para onde ir, mas sim, com a certeza de quem conhece e sabe o que quer. Com ela aprendi nome de produtos que desconhecia e que em breve precisarei adquiri-los.
Então, chega uma amiga que não sabe exatamente para que serve cada um daquele mundo de coisas. Ela se senta e vai experimentando. Querendo combinar tudo com seu laço de fita. Para ela, posso ler algumas coisas. E rimos. E nos maquiamos cada uma, ao seu modo. Tão logo chega outra. Essa pede que lhe maqueie, pois tem menos ainda o hábito. E vamos conversando, pensando no sentido da maquiagem. No travestimento, no embuste, mas também nesse ato atávico, ancestral que nos une, mulheres. Daqui a pouco comenta outra, que tem a prática há anos e não sai sem esses cuidados. E que domina a habilidade de estar maqueada, sem parecê-lo. Tantos níveis, tantos usos. E estou ainda descobrindo. Mas admirando a cumplicidade que se cria. Rimos todas, nos abraçamos.
Chega mais uma. "Quero me maquear". E peço permissão para brincar com seus cabelos e vou desenhando seu rosto. Ela se entrega. E procuro fazer uma maquiagem que não a fira, mas especialmente, ascenda sua beleza. E percebo a mesma sensação que tinha quando pintava uma tela, mas escutava o que ela tinha a me dizer. Surge um homem. "Pinta meus olhos, mas só um pouquinho, com lápis". Pego um lápis verde e delineio. Ele sorri.
Mais outro homem. E uma amiga que folheia os livros, experimenta lê-los. Quase tudo era Clarice Lispector, mas também Foucault e a obra da minha orientadora Cássia Lopes, sobre Gilberto Gil. Lemos um trecho sobre o corpo, as identidades, os travestimentos e inevitavelmente, ao maquear um homem barbudo, de Euclides da Cunha e canceriano, nos sentimos todos meio tropicalistas. Faço um imenso olho verde, muito brilhante, muito vivo. Uma boca rosa clara, quase invisível sob sua barba farta. Nos abraçamos. E ele lê para que maqueie mais outra amiga: "Quero ser Amy Winehouse". Lemos Clarice e reconhecemos a soberba alegria de ser mulher. Minha irmã vai orientando o desenho do olho e logo a parece a marca da cantora. Fazemos um penteado de forma improvisada. Dali brotam fotos e o contentamento do fantasiar, sendo outra.
Maqueio minha irmã. Com muito carinho e afeto e penso quebrar o ar flor que tem nela, mas fazer exalar mais seu perfume. Exacerbo os tons esverdeados do seus olhos e imponho uma boca cor de vinho. E ela se espanta...fica num pequeno choque, vendo aquela maquiagem tão brilhante, quebrando seu ar de menina, mas apontando a mulher que ela já pode ser. E esse espanto não dura muito tempo, porque chega outra criança adorável, mas muito decidida. Ela estava no outro andar e pediu que a levassem ao meu encontro, queria maquear-se. E ela prefere fazer tudo sozinha, escolhe as cores. E pede que a amiga que a traz, pinte-se também. Peço autorização para pintar a amiga. E ela deixa e confere tudo atenta. Concorda que está tudo a seu contento.
Com ela encerro minha experiência. Guardo os badulaques. Finalizo minha maquiagem e vou conferir o que sobrou da festa, que a essas alturas, já acabara.


Num revolta: mereço presenças e afagos. Mereço, mereço, mereço. Merecemos todas. Mas mereço mais, porque nunca me dei conta que merecia.
E diante dos descuidos aos quais me submeto nas mãos de pessoas que pouco me enxergam, finalmente esbravejo: não, não mereço isso.
Sou amorosa e carinhosa com os que amo. Quero servi-los, porque é meu modo de amar: lavar as roupas, lembrar dos remédios, fazer um almoço. E sei que tenho tanto desses afetos perto de mim.
E assim, a partir de agora, rogarei todas as manhãs, que eu encontre esse amor de um amado igualmente tenro, que me afague, queira perto, queira bem. Que me ache bonita e goste de minha comida. Que reclame que eu sou consumista demais e controle meus gastos. Que tope fazer dieta comigo, pois meu colesterol está alto. Que me queira. Pois mereço tanto isso...como nunca achei que tinha merecido antes.
Que assim seja.

domingo, 12 de agosto de 2012

A pouca crença no masculino: reflexões provocadas pelo Dia dos Pais

Um dia, numa conversa com uma amiga percebi que não admiro mais que cinco homens próximos. Admiro muitas mulheres. Mas quase nenhum homem - homem heterossexual. Sim, pontuo essa diferença, porque a orientação sexual é mais que gostar de meninas ou meninos. Implica em toda uma forma de lidar com o mundo. E admiro muitos muitos muitos homens gays a minha volta. Mas admirar mesmo, raros homens hetero. Cresci numa casa de mulheres. Só com mulheres. Meu pai fez a linha baiano reprodutor. Muitas amantes, muitos filhos, pouca atenção dispensada. Compreendo. Ele próprio não teve a figura do pai e não reconfigurou esse lugar, para ser diferente com seus filhos.
Desde muito cedo, criei a noção - muito negativa e dificílima de reformular - que homem não presta. Não me sentia à vontade perto dos homens ou os achava uma coisa inacessível. Para piorar, durante toda a minha infância estudei numa escola apenas para meninas. Não brinquei com meninos, não soube lidar com eles. Esses dois dados me geraram uma profunda deformação, que leva a hoje, eu ser uma mulher de 33 anos e não lembrar de referências muito positivas de homens - embora tenha amigos e os ame.
O fato é que tenho uma profunda desconfiança dos homens. Não acredito neles. Me atraio. Desejo. Quero tê-los perto. Mas não confio. Nem um pouco. Uso todas as minhas armaduras, pois sei que uma hora ou outra, vira uma rejeição, uma troca, uma grosseria, uma ausência. Nos raros momentos de entrega e escudo baixado, em algum instante, a mente acostumada ao não pergunta: "que horas vai ser que ele vai me rejeitar?".
Ok, terapia né minha gente? Já tentei várias. Já fiz vários exercícios do perdão e de fato, hoje compreendo o ser que foi meu pai. Desejo-lhe bem, embora não consiga visitá-lo no domingo. É demais para mim. O que me irrita profundamente é o fantasma dele impedir eu estabelecer um outro tipo de relação com o masculino, para além da desconfiança. Para piorar, acredito que me atraia por um padrão de homem pouco dado a afetividade - pelo menos comigo, restringindo, então, a relação com o masculino estritamente ao sexo. E isso dói. Porque a sede de uma afetuosidade existe, uma imensa vontade de amar e pela primeira vez na vida ser amada por um homem grita. Mas ainda não consegui mudar o meu campo magnético de "A Rejeitada" para "A Amada". Esforço-me cotidianamente para isso... mas ainda estou longe disso.
Especialmente, porque com o passar do tempo, emergiu um outro pensamento recorrente:  absoluta descrença no amor - embora o desejo dele seja latente. Talvez a descrença seja na possibilidade de eu conseguir ocupar um outro lugar - da querida, da estimada. E depois de tantos desamores, mais que amores, mais do que nunca tenho os pêlos eriçados e a desconfiança máxima. Meu desejo se confunde com raiva. Quero tê-los por perto, mas a tolerância é baixíssima - não tenho mais condições de me deixar ferir, então qualquer ameaça, já estou berrando.
Enfim, muito o que aprender de afeto com o masculino. Mentalizo que seja possível aprendê-lo com urgência. Pois quero tanto...preciso muito. Muito aprender a ser afetada positivamente, sem ser pela mágoa, pelo não. Mas poder abraçar sem medo da entrega.

PS: odeio Dia dos Pais. Mesmo já sendo adulta. Me incomoda as lembranças ruins que provoca. Anseio por ser mãe - tendo um companheiro comigo - para poder ressignificar esse dia. Anseio mais que tudo nessa vida.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Das aprendizagens: O ódio

O ódio vem na garganta e corta tudo por dentro. Poderia lançar copos de extrato de tomate contra a parede, mas o medo dos cortes me impede. Não sei sentir ódio. Mas estou permitindo que ele se instale: quero aprender o que ele tem a me dizer. Quero extrair dele a dignidade e a antipatia necessária para se adquirir respeito. E perdi, ao menos por um dia, o medo do ferimento causado pelas palavras. Passei a noite  com os dentes cerrados. E já que minhas unhas são frágeis, que as palavras machuquem na mesma medida. Não sou santa. Pela primeira vez, não sou santa. Quero que a indiferença que me arranhou os pulsos, sinta frio da ponta da navalha. Que a truculência também é amor, disso já sei. Mas que por hoje, seja ela ódio. E que o futuro lhes traga a indiferença semeada. 

quinta-feira, 26 de julho de 2012

São Tomé

Como acreditar no que não conheço, mas só ouço falar. Mais ainda como ter esperança nesse desconhecido, que com o passar do tempo, torna-se mais e mais desconhecido.
Amor, preciso te ver para te crer.

Esquina da mágoa

Quando numa noite, no meio de uma gargalhada, cruzando a esquina do deboche, tropeço no poço das mágoas. Disfarçadas com palha, pó de serragem, folhas secas. Machucados os pés. Torcidos os tornozelos. Inchada a circulação sanguínea. Há inflamação em quase tudo.

sábado, 14 de julho de 2012

Categorias - Versão Atualizada 2012


Queridas e queridos leitores,

Já se passam seis anos que escrevi uma parte considerável desse texto, fruto de observação e da conversa com amigas e amigos, formatando algumas categorias de espécimes masculinos. Claro que os homens não são todos iguais. Não, eles podem ser bastante diferentes entre si. E essas próprias categorias existem para fins meramente didáticos e classificatórios, não impedindo que, ao longo das suas experiências e existência, o sujeito transite de modalidade. Assim, considerem esse texto como uma obra didática, que visa auxiliar as mulheres na leitura dos boys-magia ou magia negra com quem estão saindo.

Ao contrário do que poderia se esperar, o criador das categorias primeiras dessa série, não foi uma mulher azeda ou mal humorada. Em verdade, é uma série criada por um homem, auto-denominado cretino. Justamente por conhecer tão bem seus comparsas, o indivíduo foi habilidoso em conceber a classificação que se segue. Em comum, todos eles têm duas características: o fato de serem heterossexuais e terem como objetivo último comer-nos. O que determina a diferença entre eles são as estratégias para alcançar esse objetivo.


Cafajeste: tipo direto, objetivo. Ele não tem muitas estratégicas. Também é o mais simples, descomplicado. Ele quer comer. Ele come. Às vezes, pode levar um tabefe, das mais ingênuas e puritanas. Mas ele é o tipo rústico, que vai direto ao assunto sem muita polidez. Frases como "quero dormir com você hoje", "vamos para um lugar mais íntimo", "eu quero trepar com você" fazem parte do seu repertório. Ele pode variar da sutileza à extrema grossura, mas ele não deixa dúvidas: ele quer te comer. Pode ser que pergunte. Pode ser que vá logo te comendo. Mas, esse tipo antológico é inconfundível e extremamente necessário (afinal de contas ele é bom no que faz, é curto e grosso, o que adianta um dobrado!).


Cretino: esse sim, é o perigo. Perigosíssimo. Ele parece ser sensível, poeta. Vem beija as suas mãos. Diz que você é linda. Ressalta sua beleza, sua espirituosidade, sua inteligência. Puxa papos inteligentes. Diálogos complexos com você. Se mostra interessado nas suas opiniões, nos seus interesses políticos, filosóficos, artísticos. Escreve delicadezas. Pinta coisas belas. Te dá livros. Manda mensagens. Toca canções de Chico Buarque para você. Mas todo esse percurso tortuoso, demorado e devastador tem apenas um propósito: te comer e tão somente. (O que convenhamos é maravilhoso) Muito provavelmente, superado o propósito, cessa a poesia, todo o percurso. Talvez até tenha uma continuidade, mas provavelmente não com o mesmo apelo e intensidade da fase anterior. Normalmente são esses tipos que provocam paixões, amores, dores de cotovelo e outros efeitos colaterais. Melhor ficar longe deles...se puder, é claro.

Filhos da Puta: um cretino com crueldade. Porque se objetivo do homem é comer. O objetivo feminino é ser comida. E se uma coisa que cretinos (melhor até que os cafajestes) fazem bem é te comer. O Filho da Puta vem, beija a sua mão, diz que você é linda. Convida você para ir na Walter da Silveira ver o novo filme de Godard. Entende de poesia concreta. Declama Paulo Leminski. É artista, poeta, cineasta, pintor, intelectual. Fala palavras macias. Fala dos seus seios. Mas saiba, ele não quer te comer e sim te sacanear (há variações que dizem que ele é gay ou um bissexual ainda confuso, mas pra mim, o que ele realmente quer é te escaldar). Diante de qualquer esboço seu que quer ser comida, o filho da puta diz "você confundiu tudo, eu quero você como amigo", "eu tenho um relacionamento", "estou confuso hoje".

Sabonete: Modalidade incorporada na versão 2012 do texto. O homem Sabonete é ótimo. Ele te pega e é geralmente cheiroso, macio, incrível naquilo que faz. Contudo, quando você o procura para acionar de novo, ele escorrega. Quando você pensa que está levando ele para casa, ele já passou para outra mão. Altamente instável, o homem Sabonete chega na festa e não fica com ninguém. Porque pega mal ficar com uma das seis, sete garotas que ele dá manutenção ali, na frente de todo mundo e queimar as outras seis que estão dando mole para ele. Assim, o homem Sabonete nunca recebe mensagens, nunca viu o que você escreveu no Facebook (mesmo quando aparece "Visualizada em"), nem tem muito tempo para ficar mais do que 45 minutos. Porque a vida é acelerada e ele tem que correr para outro lado. Para reconhecê-lo na balada, as frases típicas são "vou dar uma volta", "vou pegar uma bebida, volto já". Se ele já te dá uma manutenção, já deve ter ouvido "essa semana está uma loucura" ou "minha mãe não gosta que eu durma fora".

Contemporâneo: Esse é um tipo maravilhoso e admirável. O homem contemporâneo é para poucos. Porque poucos têm o nível de franqueza e sinceridade que ele tem. O homem contemporâneo assume que não tá fechado. Ele namora, mas a garota sabe que a relação é aberta e ela entra no jogo se consegue bancar. Geralmente, ela também é contemporânea, não é boba nem nada e dá seus bordejos. O homem contemporâneo sabe que a fidelidade não é própria da natureza humana. E ele assume isso. E tolera isso na companheira. O contemporâneo gosta de uma transa múltipla (mais duas, três ou tantas pessoas quanto forem necessárias). Ele é livre. E gosta de pessoas livres. E tudo é muito cartas na mesa. Mas são tipos raros. Os falsos contemporâneos, frequentes no mundo das artes e ciências humanas, gostam de se dizer abertos, mas a abertura é só para eles. Eles pegam várias, mas suas namoradas, esposas e afins, quase nunca sabem de nada. Geralmente, elas vivem num mundo a parte, para justamente não ficar sabendo do nível de "liberdade" do sujeito. Há um tipo piorado que pede relação aberta (porque ele é muderno), mas só para ele. Porque ele quer a licença da marida para ser solteiro, mas ela continua casada e com obrigações de fidelidade. Esse contemporâneo na verdade é um muçulmano infiltrado.

Denorex: Não tem explicação. Não tem muita lógica. Ele é aquele ser em cima do muro. Um dia te beija os pés, declama Vinícius de Morais no seu ouvido. No outro nem te abraça, está um tanto confuso. No outro, dá em cima da sua prima. No outro liga e diz que quer te comer. No outro, te trata como melhor amiga. Aquele tipo que você não entende, não quer entender mais e tem raiva de quem sabe. O mistério do planeta. Ele parece que te ama, parece que não se importa com você, parece que te esnoba, parece que te quer. Mas não, não é nada disso. E saiba, nem ele sabe que porra é. Há grande probabilidade de ser um geminiano safado.

Ameba: Esse dá raiva. Muita raiva. Ele te olha durante tempos. Olha, olha. Você demonstra que quer. Mas ele continua te olhando. Você convida ele para sair. Ele diz que vai trabalhar. Você o encontra na noite. Conversa durante uma hora e ele não faz muita coisa. Quando você se irrita e sai, ele fica te olhando. E te olhando, e te olhando, olhando. Ele quer te comer. Ele quer mesmo. Mas ele é lento. Não sabe como. Tem medo da rejeição e não faz porra nenhuma. Se você está em dias de inspiração e quer comer ele, agarre logo. Se você é tímida e tá gostando dele, minha filha, melhor arranjar outra coisa para fazer. Ele não vai mover uma palha para ficar com você. Embora, suas mãos já devam estar cansadas de tantas diversões solitárias. Sugira para ele uma ida ao psicólogo. 

Bem, eu pessoalmente já passei por todos esses tipos. Têm seus sabores e dissabores. A consciência da usuária é muito importante, para o melhor aproveitamento do produto. Essas categorias têm finalidade puramente didática, pois a cada momento e parceira diferente, cada sujeito pode modificar de segmento e forma de abordagem.


Aguardo contribuições.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Cinza negro

Nessa tarde cinza, de tanta chuva, temperatura amena e corpo a corpo com a escrita, uma leitura me inquietou a alma. Irmãs muitas sofrem sofrimento que nem tinha conhecimento que existia igual, lá do outro lado, no continente em que parte do povo que habita esta minha terra veio. E com um nó, pergunto-me se podemos deixar seres humanos amargar a selvageria até a última gota de sangue? E pergunto-me com que mãos podemos mudar o outro, se não aplacamos nossas misérias próprias.
Deus meu é tempo de mudanças, respiro isso em toda parte. Tenho medo. Mas também, agora, com um choro seco, penso que minha fé é a única coisa que tenho. E já que não tenho mãos para mudar o mundo. Que eu trabalhe pelo seu bem. E respire as mudanças que acredito.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Remendando

Dias de remendar o que esta meio roto: óculos, relógio, amizade, calca, blusa, mãe, dividas, guarda-roupas, o lado de lá,meu coração, o esôfago, os fios dos cabelos, o trabalho, a mãe, os enganos,os flertes, meu espirito. Tempo de cirzir os tecidos rasgados e os afetos maculados. Ajustar minhas ausências e reconhecer o armário cheio. Nao preciso de nada tão novo, mas dar vazão ao muito que já temos. Linha,agulha, memória,, carinho e respeito. Polir pedras escurecidas. Trocar pulseiras. Colar solados gastos. Ressignificar.

domingo, 1 de julho de 2012

Oração

Que meus gestos sejam de afago.
Que meus pesamentos sejam de construção.
Que meus olhos sejam do ver atento.
Que meu tempo seja da ação.
Que meu peito seja da leveza.
Que meus pés pisem com firmeza.
Que os quadris sejam do infinito.
Que meu umbigo seja largo tão logo.
Que minhas mãos sejam do trabalho.
Que meu afeto construa pontes.
Que meu rumo não se perca dos prumos da vontade certa.
Que minha palavra seja semente frutífera de macieiras.
Mais sabedoria, que pecado.
Mais abraço, que risco.
Mais laço, que distância.
Que minha operação seja de soma.
Que minha alegria se compartilhe.
E que eu aceite com candura a alegria a alheia.
O amor alheio.
Que eu crie delicadeza.
E que tudo, tudo, assim seja.
Amém.

sábado, 30 de junho de 2012

sim...

Agora que o riso está mais largo. E encontrei outro corpo que me fez sorrir por mais tempo e com mais leveza, noto na solidão, que consegui um feito: acordar meus quadris e fazer brilhar meus olhos. Agora de quadris soltos e ouvidos sorridentes na escuta desses moços tão alegres, tão faceiros, ainda não sei como ressuscitar o que se esconde por detrás do peito. Aquela coisa ainda meio petrificada e horrorizada por poeira de ouro tempo. Ainda não sabia como atrair mãos zelosas para massagear seu peito e acalmar sua vertigem.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Para ser simples

No meio do expediente, entre a tentativa de entender o que significam as palavras do código-fonte do site da organização, coisa para qual não fui alfabetizada, um pensamento acomete e fura a direção da atenção: estou feliz. Feliz de forma simples, sem pretensão. Uma ou outra ansiedade, senão, não seria eu...essa pessoa humana. Mas há felicidade em estar simples. Sentada a trabalhar. Ouvindo alguma música e cometendo inócuas decifrações. A vida é cercada de simplicidade, quando permitimos conviver com seu tédio sem murmúrios. Quando permitimos achar graça no cachorro que se desmancha a um toque afetuoso. Em dividir uma bola se sorvete com um amigo. E tolerar a dificuldade de se fazer dieta, quando se quer comer biscoito. A vida é simples. E há metafísica. Mas por ora, vamos encara-la entre os dentes com um sorriso. Evitando rangidos.

terça-feira, 19 de junho de 2012

O manjericão

Esparramado na terrinha rompeu o tempo e a minha ansiedade - que deu água demais a todas as plantas, veja bem água demais. Ele nasceu ao tempo dele, sem minha mão, sem meu olhar vigilante e as perguntas incessantes: você não vai nascer não? Ele nasceu o manjericão. E está gostoso e vistoso. E fingo que ele não está ali. Por que não quero indagar-lhe nada. Quero que viva. Quero que sirva. E quero sorve-lo com tomates. No seu tempo, sem minha pressa.

O Senhor

Enxergar a velhice de um senhor que devia por obrigação ter afeto, mas nunca o tive, porque nunca o teve, fez me ver, que a despeito do que sempre propaguei a esses ventos todos: nunca amei homem nesta vida. E assustada pela constatação que fez quebrar quatro copos e rasgar todos os textos de amor que escrevi no passado, consinto: nunca amei nessa vida. Desejei, muito. Os homens. O pai que não tive. Mas amar. Nenhum. Não me foi possível ter afeto desamarrado por homem. Espero de mãos dadas com alguém dar esse passo. E senhor, desejo-lhe saúde e a casa cercada pelo afeto de seus netos, que são bonitos.

Troquei de endereço

Estou de casa nova. Novo título. Novo jeito de escrever. Porque sou pedra rolando, despedaçando na ladeira. Chegando ao fim diferente. Sendo outra, com menos pedregulhos que no início do curso. Não posso ser mais Amélie. Não sou mais a moça de 25 anos que se identificou com a personagem, que pintou tudo a sua volta de vermelho e verde. Não sou mais sonhadora. Tornei-me prática, objetiva, ainda estabanada, ainda idealista. Mas acho que não romântica, não tão fantasiosa, não tão dotada de estratagemas para fazer do cotidiano um deleite de romance.
Não tenho gostado de romances. Não acredito em romances. E rosa funciona bem como batom.
Sou outra, tanto mais agridoce. Mais ciente da liberdade. Mas consciente dos desafios de concretizá-la.
Estão abertas as portas para isso aqui que não sei direito o que será.
Mas que seja tenro, honesto, escrito com cuidado e olhos cuidadosos.